Caxias do Sul 22/11/2024

Viva a bela polenta!

Um breve resumo histórico da saga da iguaria alimentar mais apreciada pelos serranos gaúchos
Produzido por José Clemente Pozenato, 05/05/2022 às 10:04:44
Foto: Marcos Fernando Kirst

A anunciada realização de uma Festa da Polenta em Monte Belo do Sul, na 11ª edição do Polentaço, traz à tona mais um patrimônio cultural trazido pelo imigrante italiano. (LEIA matéria sobre o Polentaço AQUI).

A história da polenta na Itália merece um longo tratado. Começa com a chegada do granturco, ou granoturco, aqui conhecido como milho, pelo porto de Veneza. “Turco” não significava que provinha da Turquia, mas era uma palavra que tinha o sentido de “exótico”, “estranho”.

O granturco permitiu uma revitalização da economia agrícola italiana: as espigas produziam grãos comestíveis quando verdes, a palha da espiga e as folhas serviam de ração para os animais, e o grão maduro podia ser transformado em farinha amarela por um processo de moagem, com a qual era feita a polenta.

A descoberta da polenta permitiu melhorar a alimentação dos mais pobres, para quem a farinha branca de trigo ficava cada vez mais difícil de ser obtida. Ainda mais depois que o governo criou um imposto sobre a moagem, a tassa sul macinato, que o povo apelidou de “imposto sobre a fome”. Tanto que um dos sonhos dos emigrantes que vinham para a América era de voltarem a ter panbianco, o pão-branco feito de trigo.

Um sinal da importância adquirida pela polenta como fonte de vida pode ser encontrada em canções trazidas junto com a bagagem dos imigrantes vindos da região veneta. Uma delas, recolhida em pesquisa feita há quatro décadas em Antônio Prado, é um verdadeiro Hino à Polenta.

Nesse hino, são citadas duas fontes de origem da polenta. Uma é a região da Lombardia, a “pátria do Arlequim”, onde veio ao mundo uma polenta pequena, que vinha trazida sobre as asas de um franguinho. Outra é a região do Vêneto, em que veio ao mundo um polentone, carregado por um capone, isto é, um galo bem grande. Por traz dessa linguagem poética, parece que o sentido oculto é de que no Vêneto se comia muito mais polenta do que na Lombardia...

Prosseguindo, esse hino à polenta traz uma revelação: o maná caído do céu no deserto, para alimentar o povo hebreu que fugia do Egito, era polenta disfarçada. Literalmente e em tradução:

La gran mana del desèrto O grande maná do deserto

così dólce così dólce e saporita tão doce e tão saboroso

non ghe altro, quésto è cèrto, não era outra coisa, é certo,

che polénta che polénta travestita: que polenta travestida

Sendo um maná, a polenta é um prato dos deuses, quando comida com passarinhada: era cibo degli dèi, la polenta coi osèi. E não apenas isso. O estribilho da canção afirma que a polenta é cibo del rè, comida do rei, e que todos seus apreciadores fazem coro ao redor dela cantando seu nome.

A polenta com passarinhada foi, até se tornar politicamente incorreta, um hábito alimentar praticado em toda a região de colonização italiana, no tempo em que era abundante o mato e eram abundantes os passarinhos. O principal mérito da passarinhada foi o de que ela acabou com a “pelagra”, uma doença devida à falta da vitamina B3, e que era comum entre os pobres na Itália na época da grande emigração. Só i gran signori podiam caçar e enriquecer assim seu cardápio, para manter a pele saudável.

Aqui, com a proibição da passarinhada, surgiu a receita do galeto, novo acompanhante da polenta. Com isso, a festa com polenta continuou sendo uma boa pedida! Há também a alternativa da polenta e tòccio, polenta com molho. E que essa festa da polenta seja celebrada em Monte Belo do Sul é também excelente programa, com a bela igreja de altas torres a receber os visitantes! Torres erguidas pelo padre José Ferlin, que hoje é nome da praça central da pequena cidade, junto ao Vale dos Vinhedos.

José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado “O Quatrilho”, que foi adaptado ao teatro pelo grupo caxiense Miseri Coloni; ao cinema por Fábio Barreto, concorrendo ao Oscar e transformado em ópera.

mail pozenato@terra.com.br

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