Daí deixa eu te contar: eu tava querendo ir visitar meu amigo Marte Fros, lá no Uruguai. Vê se isso é nome, né, mas diz que era moda na época em Rivera: a piazada tudo com nome de planeta: Júpiter, Vênus, Hercólobus… Só não botavam de Plutão, que os uruguaio não são bobo.
Aí eu fui falar com o Morosoli, lá da bodega. Ele tava escrevendo no balcão, fiquei com dó de atrapalhar. Mas diz ele: fala com o Rodríguez, que o Rodríguez tá indo pro Uruguai. Beleza.
Mas rapaz, se eu te conto… O caminhão do Rodríguez era um legítimo campeão do mundo, de 1950. Um Ford Bigode. Só tinha vaga na carroceria, aí eu peguei assim e pulei nela, que o caminhão ele ia indo, né, não dava pra ratiar: se ele parasse, o motor apagava e nem benzendo a manivela pra pegar de novo.
Só tinha véio naquela caçamba. Tava lá o Leite com Fidel – vê se isso é nome, né. E tinha um que era o Sete e Três, Dez, que o pessoal chamava. Digo eu também sou um número: Treze. Dez e Três, Treze, diz ele. Tá certo, digo.
Nós fumo de Caxia até a fronteira por um rumo que os buraco parecia marca de furungo no asfalto. O caminhão tinha só um farol assim, bem no meio (mais ou menos), tipo na frente do motor, que dava uma visão digamos dum palmo de nariz. O ritmo era de bugio: aquele ronco, aquele tranco, o caminhão a vinte por hora indo um pouco pra frente outro pouco pra trás, que nem gaita véia de fole furado. Se chegava a trinta virava vanera – aí era cada um por si lá em cima daquela caçamba pra não cair fora nos banhado que tinha na veira da estrada.
Mas aí eu não sei se por causa do sol ou a genebra que volta e meia chegava na minha mão, só sei que eu caí num sono que eu só fui acordar lá quando que era um posto policial. O Rodríguez ele tava negociando cos guardinha. Bamo a ver el Marte, diz ele, sem parar o caminhão, que se ele parava era capaz dos ôme levar tudo nós preso na ditadura.
Os guarda só ficaram rindo, olhando aquela caieira com os véio na carroceria. E daí eu também era véio, eu me dei por conta, sabe. Que é assim: num dia tu tá jogando bola cos piá, no outro teus osso serve como trave, na pelada da nova geração, que nem diz o outro. Até os cabelo ficam atrapalhado: em vez de nascer em cima da cabeça, começa a sair pelo nariz, pelas oreia…
Mas antes de nós chegar em Santana do Livramento o caminhão já tava se desmanchando. Ia perdendo as capa dos pneu, as rosca das roda, as tauba da caçamba. E aquele sol na moleira, as cigara virada numas carpideira braba. Tão cantando uma milonga, diz o Sete e Três, Dez. E foi esse aí falar que o Leite com Fidel já começou batucar na damigiana d’água: agora virou candômble, diz ele, que é tipo a música deles lá no Uruguai.
Daí, quando que o Rodríguez estacionou em Rivera o caminhão desmanchou de vez: foi só um ptsssss… A piazada na vorta tudo faceira pegando os farelo do Fordão pra brincar de confete. E veio o Marte rindo com aquele bigode dele, maior que o do caminhão. Chegaram a tempo pro carnaval, diz ele, e já passava a garrafa de genebra pra nós ficar novo de novo.
Pra você ver as gauchada que o cara faz pra visitar os amigo…
(Texto originalmente escrito para o projeto Biblioteca Humana, da 39ª Feira do Livro de Caxias do Sul).
Paulo Damin é escritor, professor e tradutor em Caxias do Sul.
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