Caxias do Sul 23/11/2024

Uma virada de rumo, ou só um parêntese?

Teremos um mundo melhor, como creem os otimistas, ou vamos mergulhar num mundo apocalíptico?
Produzido por José Clemente Pozenato, 15/05/2020 às 09:08:37
Foto: Marcos Fernando Kirst

POR JOSÉ CLEMENTE POZENATO

Leio num jornal francês que o discurso político atual oscila entre “Nada mais será como antes” e “Vão voltar os dias felizes”. E o articulista lança esta pergunta: a pandemia atual mudará o rumo da história, ou será apenas um parêntese?

Essa pergunta, se ainda não se tornou explícita, está com certeza latejando na mente de todo mundo, em todos os campos de atividade, da econômica à cultural, da política à social, da esportiva à religiosa.

Admitindo-se a hipótese de estarmos vivendo apenas um parêntese, que será encerrado voltando tudo ao que era antes, a pergunta passa a ser esta: qual vai ser a duração desse parêntese? Será medido em meses, ou em anos?

No caso de ser uma virada histórica, qual vai ser o rumo? Teremos um mundo melhor, como creem os otimistas, ou vamos mergulhar num mundo apocalíptico, como há também quem esteja temendo?

As leituras otimistas, ou progressistas, se baseiam no precedente das duas Guerras Mundiais e da Grande Depressão para acreditar que uma catástrofe pode levar a reformas que favoreçam a qualidade de vida: novos empreendimentos, novas normas de vida social. Desses cataclismos surgiu uma revolução tecnológica da indústria e também, coisa que não havia antes, nasceram os planos de previdência e a valorização do trabalho feminino.

Para os negativistas, essas mudanças todas significaram uma invasão da vida privada, com instrumentos de controle, seja por parte do capital, como reclama a esquerda, seja por parte do estado, como reclama a direita

Para nos prepararmos para uma virada histórica, valem as lições do passado. A humanidade tem assistido a mudanças de rumo, em média, uma vez a cada século. Sem querer desenhar um esquema didático, vão aí algumas pistas. Elas podem ajudar nossa mente a buscar caminhos nesse horizonte por enquanto totalmente nebuloso.

No século XVI, com a descoberta do Novo Mundo, a velha Europa descobriu que a terra é redonda, e não plana, e que há povos que não se imaginava existirem. Navegações comerciais e guerras de conquista de povos e territórios começaram aí.

No século XVII, quando Descartes lançou a dúvida como método para o conhecimento, tudo o que era baseado em crença começou a despencar, como numa pandemia mental.

No século XVIII, que se concluiu com a Revolução Francesa, a ideia de “liberdade, igualdade e fraternidade” derrubou reis, senhores feudais e potentados religiosos. Todas as estruturas de poder, em todas as instituições, foram atacadas pelo vírus da ordem democrática.

No século XIX aconteceu a revolução industrial, que deu origem à internacionalização da economia e de tudo o mais. É então que Marx cria um vírus destinado a atacar as forças do capital e do capitalismo.

O século XX começou com a revolução comunista, efeito do vírus marxista. A luta contra ele esteve na raiz não só das guerras mundiais como também da Guerra Fria.

E este século, recém-iniciado, já está vivendo a revolução digital nas comunicações e em todas as atividades profissionais. Todas as regras de convivência, da familiar à escolar, da social à do trabalho, estavam já em processo de mudança. Bastava esse vírus para mudar o rumo da história, sem necessidade desse outro intrometido...

José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado "O Quatrilho", que foi adaptado ao cinema, concorrendo ao Oscar.

e-mail: pozenato@terra.com.br

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