Caxias do Sul 22/10/2024

Uma transação

Quando uma questão fundamental da existência humana passa pela moça do caixa do supermercado
Produzido por Paulo Damin, 11/10/2024 às 07:46:16
Paulo Damin é escritor, professor e tradutor em Caxias do Sul
Foto: ARQUIVO PESSOAL

Pedro foi ao supermercado adquirir mantimentos, mas não encontrou tudo o que queria. Aproximou-se gentilmente da moça do caixa e perguntou:

– Sabe dizer onde tem camisinha?

– Aquelas de chimarrão? – ela retrucou.

Por meio minuto, com o hemisfério direito do cérebro, Pedro visualizou aquela redinha que certas famílias respeitáveis utilizam para que suas bombas não entupam com a erva empoeirada de sua preferência, enquanto – com o hemisfério esquerdo – buscava um sinônimo para o que de fato necessitava:

– Preservativo – falou com orgulho por empregar termo tão delicado.

– Ah – disse a vendedora – Não tem.

E, após um instantinho, no qual caberia uma piscadela que o Pedro não viu, ela acrescentou:

– É melhor sem.

Ele engoliu em seco.

Obstruiu-se-lhe a garganta.

Precisou se escorar no expositor de babalús para reunir forças suficientes e responder, como um homem decente:

– Verdade.

E, antes que ela pudesse sorrir, engatou a oração adversativa fundamental nesse tipo de discurso:

– Mas quando estamos recém conhecendo a pessoa, quando a parceira não usa anticoncepcional, quando não pretendemos adquirir doenças, nem transmiti-las, nem assumir filhos, nem escapar da cidade pra não ter de fazê-lo, aí o esquema é usar camisinha mesmo.

Enquanto escaneava os amendoins, a água com gás, o saco de pague 29 e leve 30 rolos de papel-higiênico, a moça informou com preguiça que o cliente poderia encontrar o que buscava na farmácia ao lado. Mas antes que Pedro pudesse respirar satisfeito por ter se feito entender, ela acrescentou:

– Lá tem de vários sabores. Morango, pimenta, uva… Só a de limão eu não gosto. Muito doce.

Pedro imaginou sua namorada rindo diante de uma camisinha tutti-frutti. Por que alguém usaria um negócio desses? A única coisa que se pode fazer sem preservativo é melhor fazer com o gosto original mesmo.

A vendedora pareceu adivinhar-lhe os raciocínios:

– Se for pra levar fruta pra cama, por que não in natura? A jabuticaba tá em promoção…

A mão de Pedro suava ao introduzir o cartão na maquininha.

Paulo Damin é escritor, professor e tradutor em Caxias do Sul.

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