A possibilidade de usar inteligência artificial no cuidado extremamente personalizado, mirando características específicas de cada doença, tem criado uma expectativa consistente desde que o tema começou a pautar incontáveis publicações em todas as áreas, especialmente a saúde. Avanços em toda a ciência estão concretizando essa promessa, incluindo um refinamento tecnológico com rapidez impressionante.
A partir de uma grande quantidade de dados e após inúmeras camadas de processamento de informação, um computador aprende, por si mesmo, a executar tarefas semelhantes, ou até melhores, às dos seres humanos (chamado de deep learning) e se autoadaptam a mudanças (machine learning) que estão muito presentes na literatura médica. E não é somente um cenário hipotético.
Em diagnóstico e na construção de tomada de decisões que envolvem algoritmos, já existem resultados com desempenho comparável a de experientes médicos especialistas. Com aumento da capacidade de processamento dos computadores, se vislumbra a viabilidade de identificação de alterações em exames de sangue ou tecidos muito antes do que é perceptível pela cognição humana.
Parece fascinante, mas abre várias questões práticas e éticas. A começar, nenhuma máquina vai responder bem se a pergunta não é boa. Em sistemas de saúde fragmentados e com importante carência de informação uniformizada, é possível que as incertezas sejam ainda muito altas. Em cenários ideais, sistemas de coleta de dados de forma padronizada deveriam ser instalados e validados ainda antes da aplicação de ferramentas de inteligência artificial.
A possibilidade de termos grupos de pacientes subrepresentados é enorme, uma vez que grande parte das investigações científicas é com norte-americanos e europeus, brancos e com acesso a toda jornada de assistência médica. Um estudo realizado nos EUA tentou usar inteligência artificial para correlacionar gastos com remédios com o estado de saúde. Como os negros gastavam menos, o algoritmo concluiu erroneamente que eles eram mais saudáveis. O cenário, evidentemente, mostrou é a relevante iniquidade de acesso ao invés de saúde. Os negros gastavam menos porque tinham menos recursos!
Para prevenir esses vieses, é imperativo que se invista esforços em treinamento e integração na agenda da saúde. É uma agenda já tão testada e combalida, mas que não pode se dar ao luxo de não acompanhar os largos passos que a tecnologia nos apresenta.
Stephen Stefani é médico oncologista e pesquisador da Oncoclínicas RS.
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