Caxias do Sul 21/11/2024

Uma despedida não prevista

Uma homenagem ao empresário Plínio Mioranza, falecido no dia 9 de outubro
Produzido por José Clemente Pozenato, 13/10/2022 às 09:21:08
Foto: Marcos Fernando Kirst

Foi uma dolorida surpresa o falecimento do empresário, escritor e promotor cultural Plínio Mioranza (aos 82 anos, ocorrido no último domingo, dia 9 de outubro). Escrevo esta crônica como uma pequena homenagem, para de algum modo prolongar sua presença amiga a meu lado e, também, na memória coletiva.

Conheci Plínio Mioranza como meu aluno no Curso de Línguas Neolatinas, na antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, antes da criação da Universidade de Caxias do Sul. Os traços de sua vida estudantil podem ser resumidos em três palavras: dedicação, objetividade e lealdade. Obteve o diploma em Língua e Literatura Portuguesa e Francesa em 1969 e passou a atuar como professor. Três anos depois, iniciou o curso de Administração de Empresas, renunciando à atividade docente e se dedicando à vida empresarial.

Em 1977, tendo Valdemar Perini como sócio, fundou a MP Estruturas Metálicas Ltda. O MP do nome da empresa reproduz as letras iniciais do sobrenome dos dois empreendedores. Com o bom humor que lhe era costumeiro, Plínio me disse uma vez que não era para confundir o MP com o PM da Polícia Militar: eram termos opostos...

Como empresário, foi vice-presidente da CIC de Caxias do Sul, onde foi também diretor de Negócios Internacionais. Quando estava nesse cargo, patrocinou a solenidade de lançamento da produção do filme “O Quatrilho”, na sede da CIC, em meados de 1994, com a participação da imprensa de todo o país, e estimulou o apoio dado por várias empresas para a filmagem.

Mas sua dedicação às atividades da empresa não apagou seu interesse pela valorização dos elementos culturais da região. Dedicou-se também a recolher detalhes da história e da vida de sua querida Nova Veneza, que depois, no período dos nacionalismos, mudou o nome para Travessão Alfredo Chaves, popularmente chamado de Travessão Alfredo, no município de Flores da Cunha.

Plínio Mioranza se destacou como empresário e agente cultural da Serra Gaúcha (Foto: Arquivo pessoal)

Como resultado desse mergulho nas origens, escreveu o romance O Andarilho. O personagem que emerge dessas memórias é fascinante, com sua bengala teimosa e suas falas mordazes, trazendo à tona toda uma velha sabedoria camponesa, como escrevi na apresentação da obra. O personagem, chamado Marco Bortolai, baseado em fatos reais, se tornou andarilho, ou “o velho do saco” que assustava as crianças, porque depositou tudo o que ganhava no Banco Pelotense, que entrou em liquidação em 1931. O autor reconstitui essa figura dentro do cenário e com um registro etnográfico da época. Em resumo, é um documento para ser guardado como patrimônio de uma cultura.

Plínio Mioranza continuou fazendo um trabalho sério de resgate da História esquecida de Nova Veneza, hoje Travessão Alfredo. Segundo ele, o local perdeu a chance de ser uma importante cidade da Serra Gaúcha. Por ela passava a “antiga estrada para Vacaria”, cruzando o Rio das Antas no Passo do Simão, o que fez do lugar um importante centro comercial e pré-industrial. Mas depois foi aberta uma estrada mais curta para Vacaria, pelo Passo do Zeferino, e o Travessão Alfredo nunca passou da condição de vila.

Ele escreveu ainda um livro narrando episódios terríveis (e também esquecidos) da Revolução de 1923 ocorridos em Nova Veneza. E organizou, junto com seus parentes, a obra De Val de Mis a Nova Veneza – História da Família Mioranza (2012, Editora Maneco). Como introdução, aparece no livro um poema revelando seu lado de poeta, com o título de “O Sonho Americano”, do qual vai aqui esta estrofe:

Sulcam o chão com ferro cortante,

ferramentas no bosque gemem.

Penetram o solo caules de videira,

a terra responde com força gigante.

Essa força gigante, certamente, é que permitiu a Plínio Mioranza a construção de seu rico e múltiplo legado.

José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado “O Quatrilho”, que foi adaptado ao teatro pelo grupo caxiense Miseri Coloni; ao cinema por Fábio Barreto, concorrendo ao Oscar e transformado em ópera.

mail pozenato@terra.com.br

Do mesmo autor, leia outro texto AQUI