O historiador gaúcho Mário Maestri acaba de publicar um romance, com o título de Carcaça de Negro, com o subtítulo de “Um romance da escravidão no Rio Grande do Sul”. Como diz ele em afetuosa dedicatória, seguindo caminho arriscado, “em que me aventuro por mares que não são meus”
De fato, o caminho percorrido por Mário Maestri foi no campo da História, e não no da narrativa ficcional. Sua biografia é bastante movimentada. Começou estudando engenharia na PUC-RS, mas logo passou para o curso de História na UFRGS. Cinco anos depois do golpe militar de 1964, foi preso, sob acusação de fazer resistência ao regime, mas foi absolvido por falta de provas. Mesmo assim, se refugiou no Chile, como fizeram muitos outros brasileiros, em especial do meio universitário. Lá, continuou os estudos de História na Universidade do Chile. Novamente envolvido em conflitos de ordem política, buscou refúgio na Bélgica, onde se matriculou na Universidade Católica de Lovaina, onde se graduou em Ciências Históricas, no programa de Histoire de l’Afrique.
Esse curso decretou a sua trajetória, ou, para usar a metáfora de sua autoria, os mares de sua navegação. Ainda na Bélgica, fez a dissertação de mestrado sobre a África negra pré-colonial e depois o doutoramento sobre um tema inédito: a escravidão do negro praticada no Rio Grande do Sul.
Veio de volta para o Brasil em 1977, e aqui iniciou seu percurso como professor universitário: começou na Fundação Universidade de Rio Grande, de onde foi afastado também por ingerência militar. Deu aulas na Federal do Rio de Janeiro e na PUC-RS, quando foi convidado para ser docente na Universidade de Caxias do Sul, em 1988. Nela permaneceu por cinco ou seis anos, atuando também no Projeto ECIRS, voltado para o estudo da imigração italiana, onde fomos colegas. Em 1994, foi convidado para atuar no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade de Passo Fundo, onde se aposentou.
Tive uma dívida para com ele na elaboração do romance A Cocanha, fato que reconheço na dedicatória da primeira edição. Ele me forneceu, com base em suas pesquisas, dados sobre a saída dos emigrantes da Itália e a travessia do Atlântico. Dados que transformei em ficção.
Vejo agora que aquela experiência de transferir a narrativa histórica para o romance o afetou, a ponto de agora lançar Carcaça de Negro. Como era de esperar, ele domina também a narrativa ficcional, prendendo o leitor desde o primeiro parágrafo. Nela, ao contrário da generalização usada na narrativa histórica, Mário Maestri dá corpo, gestos e falas aos personagens, com forte visibilidade e emoção.
O personagem central é um moleque de nome Joaquim, nascido numa charqueada de Palhetas – nome fictício de Pelotas. Em suas aventuras, percorre todas as situações e dramas vividos pelo escravo negro no Rio Grande do Sul. Um universo surpreendente, sem dúvida, uma vez que o tema da escravidão nunca teve destaque na história e nas tradições de nosso Estado. Fica aqui o convite para a leitura dessa obra, como sempre magistral, de Mário Maestri.
José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado “O Quatrilho”, que foi adaptado ao teatro pelo grupo caxiense Miseri Coloni; ao cinema por Fábio Barreto, concorrendo ao Oscar e transformado em ópera.
pozenato@terra.com.br
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