POR MARCOS FERNANDO KIRST
Você pode mergulhar de olhos fechados em apenas três lugares, madama: na piscina, no rio e no mar. Não! Em cinco! No lago e na lagoa, também! Lago e lagoa são coisas diferentes, por isso, possuem nomes diferentes.
Não, não, a senhora aqui se engana: em riacho, não. Em riacho ninguém mergulha, a não ser que seja louco. Riachos não são fundos o suficiente para acolherem um mergulho. Se pensar em mergulhar em riacho, terá de pensar em mergulhar em sanga, que seria a mesma loucura. Como? Em pesqueira? É... sim...em pesqueira também dá, sim, mas é preciso cuidar as traíras.
Então tá, ficamos assim: você pode mergulhar de olhos fechados em seis lugares. Viu só o poder da barganha? Pensando juntos, dobramos o espectro da frase inicial e ampliamos nossas possibilidades. Deve haver uma reflexão aí, uma moral escondida em alguma entrelinha, da qual deve ser pescada por quem se arriscar a mergulhar fundo no oceano das metáforas.
Bem, adiante. Já em política, madama, é possível também mergulhar fundo. Porém, de olhos abertos! Bem abertos! Estralados, de preferência. É para isso que servem os colírios: para ajudar a manter estralados os olhos de quem se aventura a mergulhar na política.
Mas a grande diferença, e a maior dificuldade, entre mergulhar num ambiente límpido e aquoso como os citados lá no início, e na política (cujo ambiente não é aquoso), é que, na política, você precisa prender a respiração por muito mais tempo depois do mergulho. Na verdade, após mergulhar na política, o recomendado é manter a respiração suspensa durante o tempo todo. E quem é que consegue, hein? Quem, madama? Difícil. Nem posso imaginar como seja.
Por isso que nunca me meti a mergulhar em política. Mas, minto. Já mergulhei, sim, e foi na época da faculdade. Na política estudantil. Participei de uma chapa para o diretório acadêmico do curso de Comunicação Social. Vencemos e fomos reeleitos no pleito seguinte. Na primeira gestão, eu era secretário de Comunicação. Na segunda, Secretário-Geral. Subi de posto. Foram mergulhos certeiros.
Outra vez, décadas depois (as décadas passam voando, como ondas... Hein? É... verdade... onda não voa... a metáfora foi rasa e forçada. Apague, releve, ignore a falta, seja mais política, madama), décadas depois, mergulhei de novo na política, mas na literária. Integrei uma chapa para a diretoria da Academia Caxiense de Letras. Fomos eleitos e, ao longo dos dois anos de mandato, exerci o cargo de segundo-secretário. Eu não era o presidente, nem o vice-presidente, nem o tesoureiro, tampouco o primeiro-secretário. Era o segundo-secretário.
Quais as minhas atribuições? O Estatuto não explicitava. Ao primeiro-secretário (tínhamos uma primeira-secretária, competentíssima, minha chefa direta) cabia, prioritariamente, fazer as atas das reuniões, as ordinárias, as extraordinárias, o ordinariedo todo. A mim, autoatribuí-me as tarefas de servir o cafezinho (algumas das acadêmicas preferiam chá e, aí, eu lhes servia chá), distribuir as canetas, recolher os copos ao final das reuniões (tanto nas ordinárias quanto nas extraordinárias, eu não fazia distinção, minha atuação política era pautada pela igualdade), varrer o ambiente, reorganizar as cadeiras. Eu, quando mergulhava, mergulhava fundo mesmo.
Findo o mandato, não me animei a tentar reeleição. Afinal, eu não queria mais ser segundo-secretário, apesar da insistência dos pares, que elogiavam minha atuação de segundo (não de segunda, mas de segundo... segundo-secretário, neam). Agora, mordido pela mosca azul do poder (não devo ter trancado a respiração durante o tempo necessário e, aí, é isso o que acontece), eu almejava o primeiro-secretariado, planejando uma ascensão fulminante na carreira.
Não deu. Minha letra era muito feia, ilegível. Fizesse eu as atas, na condição de primeiro-secretário, no futuro, ninguém saberia o que teria se passado nas reuniões que eu relatasse por escrito. Os debates, os bate-bocas, os sublimes poemas autorais declamados em primeira mão, as homenagens, as profundas análises crítico-literárias havidas naquele mandato, se perderiam nas brumas do tempo e no emaranhado farpado de meus intraduzíveis garranchos.
Sob meu primeiro-secretariadismo, far-se-ia (mesóclises são ao gosto de academias e de presidentes de outras envergaduras) um vácuo irreparável na memória da entidade. Ninguém estava disposto a correr o risco. Nem eu. Então, desisti. Emergi das águas da política, sequei-me e dei por encerrada minha inserção nesse oceano de atuações representativas.
Mas o que nunca deixei, madama, foi de mergulhar sempre na piscina da cidadania. De olhos muito abertos e sentidos aguçados, voto sempre, consciente, e acompanho depois as ações de meus representantes. Mesmo daqueles que não ganharam meu voto e chegaram lá. Acompanho, analiso, cobro e, depois, dependendo do caso, re-voto ou troco a escolha. Mergulhe hoje de olhos bem abertos na urna e bom voto, madama!