Sou detentor, por cortesia de mãos amigas, de um relato manuscrito deixado pelo Cônego Ângelo Donato – hoje nome de rua em Caxias do Sul, no bairro São José –, contando a aventura e as desventuras de uma viagem de caminhão desde Caxias até as águas termais da Guarda, em Tubarão, no Estado de Santa Catarina.
O Padre Ângelo, como o chamavam, era um atento observador e um refinado crítico. Seu relato está recheado de informações e comentários que podem dar uma ideia bem concreta das condições de vida naquele ano de 1937, quando ele fez a dita viagem. Trata-se de uma excelente reportagem, escrita em italiano, com este titulo: 1937: Note di un viaggio.
Vai a seguir um rápido cronograma da vida do autor:
- Em 1863, a 27 de dezembro: nasce na Itália, na diocese de Pádua.
- Em 1899, a 30 de novembro: é ordenado padre em Porto Alegre.
- De 1904 a 1905: é pároco de Antônio Prado.
- De 1906 a 1907: é pároco de Bento Gonçalves.
- De 1908 em diante: atua como coadjutor e depois vigário de Caxias. Nesse cargo, cria comissão para construção da escadaria da igreja paroquial (hoje catedral diocesana).
- Em 1928: recebe o título de cônego.
- Em 1931: quando pároco de Galópolis, integra a Comissão Pró-Bispado de Caxias. A Diocese foi criada em 1934, há noventa anos, que estão sendo celebrados.
- Em 1953, a 6 de agosto: falece em Caxias do Sul, perto dos 90 anos de idade.
De suas Notas de uma Viagem, em que relata a ida de Caxias a Tubarão, em cima de um caminhão, com outros viajantes, traduzo os primeiros parágrafos que, como em toda boa narrativa, prendem desde logo a atenção do leitor:
No ano de 1936 estive em Iraí, nos banhos termais que me fizeram bem, o forte prurido diminuiu, e teria voltado se tivesse encontrado algum companheiro. No mês de março de 1937, o senhor Giovanni Marchet, negociante em Mato Perso, me convidou para me deslocar com ele e outros amigos até os banhos de Tubarão, e aceitei o convite.
Era para partir às 4 da manhã, mas acabamos partindo às 6 e meia. O auto caminhão era do senhor Eleutério Fracasso, filho do hoteleiro Carlos Fracasso. Eu nem sabia que esse Fracasso tivesse caminhão. Os passageiros deviam ser 14, mas na última hora 5 desistiram, e fizeram bem. Eu devia ter feito isso também, ainda mais porque tinham me aconselhado a não fazer aquela viagem.
A gente acreditava que em dois dias chegaríamos a Araranguá. Uma vã esperança...
A primeira questão que ele coloca é para perguntar por que motivo, naquela altura dos acontecimentos, não havia ainda trem ligando Porto Alegre a Torres, se havia trem de Caxias a Porto Alegre, de Santo Antônio da Patrulha a Osório, de Araranguá a Tubarão. Por que razão não se levava o trem até Torres, que já era buscada para banhos de mar e onde havia o hotel de um caxiense chamado Guerino Sartori? Em razão disso, o jeito era ir de caminhão.
E isso é apenas o começo!
José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado “O Quatrilho”, que foi adaptado ao teatro pelo grupo caxiense Miseri Coloni; ao cinema por Fábio Barreto, concorrendo ao Oscar e transformado em ópera.
pozenato@terra.com.br
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