Caxias do Sul 21/11/2024

Um adolescente em isolamento social

Não aguentam ficar em confinamento imposto; contraditoriamente, o autoimposto sim!
Produzido por Roberta Debaco Tomé, 03/04/2020 às 07:46:54
Foto: ARQUIVO PESSOAL

Das coisas boas que a quarentena trouxe, explorarmos nossa casa e redescobrirmos uns aos outros são, certamente, algumas delas. Muitas famílias compartilham diariamente seu tempo. Outras, por correria e compromissos, têm seu tempo em comum diminuto. Embora a sabedoria popular pregue que o “importante é a qualidade do tempo”, creio que “a quantidade” também seja fundamental para os relacionamentos que se estabelecem no âmago familiar.

Esses dias de confinamento nos fazem explorar nossos lares: olhar a rua por uma janela esquecida ou pouco aberta; limpar armários e encontrar roupas que estão guardadas há tempos, mas trazem à memória momentos felizes; usufruir do sol que invade uma sacada e deixar-se dominar pela vitamina D naturalmente...

E até mesmo percorrer o quarto-exílio de um adolescente enclausurado. Na “vida normal”, muitos se trancafiam em suas câmaras e de lá não saem por “decreto nenhum”. O espaço de um adolescente é seu santuário... tem suas recordações... sua intimidade... seus desafios hormonais diários. Alguns usam da criatividade para externalizar suas avalanches diárias: minha filha, por exemplo, no auge de seus 13 anos – que idade!! – viu nos vidros de sua janela um belo lugar para poetizar... e expiar seus sentimentos. Pobre dessa mãe que terá vidros a esfregar, na tentativa de apagar uma caneta permanente.

Mas nestes tempos de “vida fora do normal”, tudo o que nossos filhos querem é sair de seus esconderijos (leia-se “quartos”). Não aguentam ficar em confinamento imposto; contraditoriamente, o autoimposto sim! Um adolescente em isolamento social não quer “guerra com ninguém”. Quer apenas a liberdade, ideologia-base dessa fase da vida. Eles sentem-se aprisionados, afastados dos amigos, da vida lá fora. E aí, dentro – deles e de casa –, a solidão invade-os. Tempo demais, pensamentos demais, energia demais... A prova de que redes sociais, para eles, não têm valor superestimado. O contato físico com os amigos, professores, com a natureza... com a vida... é essencial nessa fase. Não há vídeo-chamada, “Instagram” ou “Tik-Tok” que preencha o vazio que eles sentem nesse momento.

Convivendo com minha adolescente-filha-confinada, lembro de mim, aos 13 anos. Meu quarto também era meu “meio” refúgio – porque era compartilhado com outra adolescente em plena efusão. Era uma espécie de templo, onde ouvia minhas músicas, não em um celular com “spotify” e tudo mais, mas num “walkman” ou num “três em um” (o bom e velho toca-discos, toca-fitas); não poetizava em vidros, mas lançava palavras em um diário; meus conselhos não eram buscados em vídeo-chamadas, eram discados – com grande paciência em rodar aqueles números – em telefones fixos, na esperança de que, no outro lado da linha, a melhor amiga atendesse pronta a ouvir.

Penso no que faria naquela época se estivéssemos na ameaça de uma “COVID-90”. De que forma a quarentena seria menos entediante? Creio que leria muito – sempre fui apaixonada por letras –, assistiria a bons filmes (obviamente, na Sessão da Tarde, nada de “Netflix, Prime Vídeo”), comeria (tipicamente adolescente ), “jogaria conversa fora”, vasculharia fotografias, reviraria a casa...

Em tempos de confinamento, explorar nosso lar, fazendo uso de todos os cantinhos e janelas e sacadas e deixando o sol entrar por uma fresta exótica ajuda a lidarmos com o que estamos vivendo. Mas o mais importante é aproveitar essa imensidão de tempo que temos, todos juntos, em nossos lares, para conversar com nossos filhos. Ouvi-los, examiná-los profundamente, descobrindo coisas que, por vezes, nos passam em silêncios...

Por que não assistir a séries adolescentes com eles? Ler em partilha seus livros, ouvir suas músicas, rir com eles de “memes” que circulam em seus grupos de “whatsapp”, cozinhar juntos... são tantas as oportunidades que temos! E, também, tempo!! Todo adolescente tem, dentro de si, um universo repleto de estrelas e cometas e asteróides e planetas, ansioso por ser descoberto e redescoberto. A nós, pais, cabe apenas explorar... porque, agora, o tempo é nosso aliado.

Roberta Debaco Tomé é professora de língua portuguesa e literatura

e-mail: robertadebacotome@gmail.com