Alguns dias atrás, expusemos, brevemente, o comportamento dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável – ODS (ou Agenda 2030) no município de Caxias do Sul. Agora, nosso foco está direcionado a três municípios que integram o chamado Vale dos Vinhedos. Em síntese, quando se pensa neste espaço geográfico, talvez os primeiros temas que vêm à cabeça do leitor sejam o turismo, o vinho e a gastronomia, internacionalmente conhecidos e provenientes de Bento Gonçalves, Garibaldi e Monte Belo do Sul.
Não se pode negar que o enoturismo seja um elemento fundamental para a mobilização desse território, aproveitando fatores edafoclimáticos (solo, temperatura, água, entre outros elementos), assim como o conhecimento na produção e comercialização do vinho e seus derivados (serviços e produtos), aliado à especialização em atividades industriais ligadas a este chamado Sistema de Produção Local.
Em poucas palavras, podemos assim chamá-lo, uma vez que não existe uma mera aglomeração de empresas de setores desconexos, mas sim aquelas que procuram atender à demanda por intermédio de insumos e de matérias-primas encontradas/produzidas nesse mesmo espaço ou próximo a ele. Ou seja, a economia local se beneficia a partir das potencialidades existentes e, consequentemente, encadeadas, que geram desde a montante, também comumente chamado de Setor Primário (Agricultura), passando pelo seu eixo de beneficiamento, nominado de Setor Secundário (Indústria), desembocando em sua jusante, no chamado de Setor Terciário (Comércio e Serviços).
Contudo, deve-se destacar que não é apenas a prioridade econômica que precisa ser evidenciada quando se analisa o desempenho do município ou da própria região mencionada. Dito de outro modo, se considerados os resultados obtidos em termos de ODS nos três locais citados acima, verifica-se que alguns pontos ainda se traduzem em importantes desafios tanto para os gestores públicos como para os munícipes.
Por primeiro, tem-se Bento Gonçalves, que, entre os anos de 2017 e 2019, segundo a Confederação Nacional dos Municípios (CMN), apresentou um significativo aumento em ações que primam pela indústria, que se adequa às novas exigências do mercado (ODS 9, com +71,86% de melhora) e em atividades relacionadas ao desenvolvimento sustentável (ODS 16 e 17, respectivamente, cada um deles com +43,94% de melhora).
Entretanto, deve-se ainda observar mais apuradamente os itens que mostram uma regressão neste município, em especial aquelas concentradas na educação de caráter inclusivo (ODS 4, com -48,50% de resultado), acompanhado da presente negatividade atual em oferecer locais inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis (ODS 11, com -16,94% de piora). Nesse espectro de análise, outro resultado negativo que chama a atenção diz respeito à deficiência identificada à conservação ambiental (ODS 14, com -11,96 de retração).
Simultaneamente, quando observadas as quatro dimensões estruturadas pela CMN, os resultados mostram que Bento Gonçalves apresentou melhora em duas delas: Econômico (+ 87,89%) e Institucional (+ 13,76% entre 2017 e 2019). Mas, em seguida, os resultados dos ODS reforçam as barreiras impostas ao município, seja para políticas públicas com foco no Meio Ambiente (-50,81 de piora) e, mais preocupante ainda, no aspecto Social (-305,48 de retração).
Ao se observar Garibaldi, o mesmo também apresenta resultados que demonstram positividade quando se observa a busca por uma indústria atenta às demandas (ODS 9, +51,31% de melhora), seguido do trabalho em que não há exploração (ODS 8, +37,10%) e da promoção de uma educação de qualidade (ODS 4, +36,37). Mesmo assim, aspectos que podem levar a uma reflexão mais aprofundada no município se referem, principalmente, ao foco na questão ambiental (-19,21% no ODS 17, assim como -13,17% no ODS 12 e -11,09% no ODS 6), algo diretamente relacionado com a Economia.
Junto a isso, quando observadas as quatro dimensões, o segmento econômico (+95,46%) e o ambiental (+53,19%) foram os que registram melhores indicadores entre 2017 e 2019 segundo dados da CNM. Entretanto, a área Institucional (-35,57%) e a Social (-40,24%) se mostraram como as que possuíam maior retração em suas áreas no mesmo período pesquisado, o que demonstra que a Gestão Pública e as políticas públicas para o bem-estar social ainda são um desafio para o povo garibaldense.
No caso de Monte Belo do Sul, o município conseguiu um resultado importante quanto aos aspectos que trata de garantir tanto a sustentabilidade quanto ao uso da água (ODS 6, +98,14%), seguido de condições voltadas ao bem-estar (ODS 3, +98,14%) e o fomento à inovação (ODS 9, +97,69%). Em contrapartida, atividades que englobam o cuidado para com o desenvolvimento sustentável (ODS 14, com -96,23%, ODS 15, com -96,23% e ODS 17, com -18,52%) foram aquelas que se mostraram com maior retração entre 2017 e 2019.
De outra parte, entre as quatro dimensões, ele apresentou um resultado diferente dos dois municípios anteriores, uma vez que obteve performance positiva em três das quatro categorias estruturadas pela CMN. Nos âmbitos Econômico (+131,68%), Institucional (+27,17) e Meio Ambiente (+2,78%) os resultados se revelam promissores. Porém, o número da dimensão Social é aquele que mais chama a atenção, pois, mesmo sendo o único com registro negativo, foi o que teve maior registro nessa classificação (-222,12%).
Resumidamente, os três municípios representam a notoriedade quando se pensa em aspectos relacionados e que contribuem para o desenvolvimento econômico da Serra Gaúcha. Entretanto, deve-se considerar os demais itens expostos como integrantes de um complexo, mas interrelacionado sistema. Em outras palavras, a mobilização do território não se limita apenas à priorização da Economia, mas em sua junção com aspectos sociais, institucionais e ambientais.
Trata-se de um composto necessário para a evidenciação do desenvolvimento que deve ser percebido, gerado e proporcionado pelas pessoas. Isso porque, tal como comenta Amartya Kumar Sen, em seu livro “Desenvolvimento como Liberdade” (Cia. das Letras, 1999), o desenvolvimento em si é escolha e isso não será possível quando existe a privação das liberdades que os habitantes possuem.
Frente a isso, Emprego e Renda, Educação, Saúde, Diminuição da Mortalidade Infantil e da Violência, Equilíbrio Fiscal, acompanhados do uso adequado dos Recursos Naturais, dentre outros aspectos, são variáveis que precisam ser consideradas não apenas nos municípios que compõem o Vale dos Vinhedos, mas em todo o País, com temas cotidianos e necessários à melhora na qualidade de vida da população.
Muito tem se discutido sobre a situação econômica dos municípios, mesmo que em determinados casos não seja apenas este item o único a ser considerado. Para muitos, a ideia de uma indústria é considerada erroneamente como a essencial força motriz de um município, que, por vezes, não possui a mínima relação com os habitantes. Estes, por sua vez, não apresentam condições necessárias em termos de qualificação profissional. Existe um dilema imposto e que às vezes é percebido apenas por quem vive no município, e não pelo turista.
No que diz respeito ao funcionamento de políticas sociais, verifica-se que inúmeros têm sido os desafios impostos a pais, professores e estudantes em termos de Educação. Destaca-se que se faz necessário adequar-se a uma rotina alterada. Ao mesmo tempo, os desvios de recursos públicos são epítetos que se espraiam para atitudes de pessoas que burlam o sistema burocrático com o objetivo de exercer seu direito à chamada Lei de Gérson ("Por que pagar mais caro se o Vila me dá tudo aquilo que eu quero de um bom cigarro? Gosto de levar vantagem em tudo, certo? Leve vantagem você também, leve Vila Rica!").
OBS: Gerson era um meia armador da Seleção Brasileira na década de 1970, que usou sua imagem em uma propaganda para a marca de cigarros Vila Rica.
Na mesma linha, os resultados evidenciados na área ambiental mostram o desafio que a população e as organizações públicas possuem, em especial, porque cerca de dois meses atrás, a região e o Estado do RS sofriam com a seca e, nos últimos dias, recebemos notícias sobre a retirada de pessoas de suas casas e estragos relatados pela Defesa Civil. Ao mesmo tempo, a cheia dos rios e o excesso de chuvas foram registrados e relatados.
Mas aqui fica uma questão relacionada aos ODS discutidos anteriormente e condizentes à temática ambiental para o debate entre o leitor e seus representantes públicos: quais são as estratégias que o seu município promove (ou não) para a armazenagem de água, a fim de evitar campanhas de racionamento e de exigir o uso de energias mais caras ao invés daquelas disponíveis, mas que não são utilizadas?
Para se ter uma base, estudos revelam que uma hora de energia solar (o sol pode produzir 4 milhões de vezes mais energia do que a população mundial utiliza) corresponde a doze horas de energia elétrica (responsável por quase 95% do consumo nacional), entre tantos outros meios que podemos aproveitar, frente à abundância de recursos que possuímos, mas que não sabemos, infelizmente, como gerenciá-los.
Esperamos que esta breve reflexão consiga contribuir para a percepção geral de que o exercício da cidadania é de todos, uma vez que a representação pública é transitória, os recursos são finitos e a Agenda 2030 está posta a fim de promover ações para a continuidade da raça humana. Adote esta prática também.
Na próxima oportunidade, seguiremos debatendo os aspectos relacionados ao desenvolvimento regional, desta vez em uma perspectiva mais específica e cada vez mais preocupante: os dados da violência contra a mulher nos seis primeiros meses de 2020 na Serra Gaúcha. Até lá.
Marcos Paulo Dhein Griebeler é Doutor em Desenvolvimento Regional pela Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC. Professor do Centro de Negócios do Centro Universitário da Serra Gaúcha – FSG e do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional das Faculdades Integradas de Taquara – FACCAT.
marcos.griebeler@fsg.edu.br ou marcosdhein@faccat.br