No coração da cidade, um prédio cinza se ergue como um monumento à burocracia: o Fórum. Ali, as esperanças se cruzam com as leis, onde o clamor por justiça encontra, às vezes, uma resposta e, em outras, um silêncio ensurdecedor. Mas, recentemente, o prédio ganhou um novo papel, quase simbólico, na crônica de um Estado afogado – literal e metaforicamente.
Era uma manhã cinzenta de maio quando a chuva começou. Primeiro, tímida, uma garoa que apenas molhava o asfalto. Mas, em poucas horas, transformou-se em um dilúvio. As águas subiram rapidamente, inundando ruas, casas e sonhos. A cidade, antes vibrante, submergiu em um mar de incerteza. E enquanto a população lutava contra as águas, um silêncio ainda mais perturbador emanava das portas fechadas dos tribunais e fóruns do Estado.
A crise econômica, que há anos vinha se arrastando, consolidou-se em poucos dias sobre o Rio Grande do Sul. Empresas faliram, empregos desapareceram, e famílias foram empurradas à margem. O desespero econômico entrelaçou-se com a devastação ambiental, criando uma tempestade inimaginável. As mudanças climáticas, cada vez mais inegáveis, intensificaram as chuvas, alimentaram as enchentes e trouxeram a devastação a uma sociedade já fragilizada.
O Poder Judiciário, outrora um bastião de esperança, paralisou-se. Por mais de 17 dias, os processos não se movem, audiências foram canceladas e os sistemas, corrompidos e inacessíveis, deixaram a sociedade sem alternativas. As portas dos fóruns permanecem fechadas, como se as leis tivessem se rendido à força das águas.
A sociedade assiste impotente à devastação. Os cidadãos que confiavam na justiça para resolver suas vidas agora se veem desamparados. Histórias de casais lutando pela guarda dos filhos, pequenos empresários buscando uma saída para a falência iminente e idosos esperando por uma resposta sobre a aposentadoria – todos presos em um limbo jurídico.
O colapso do Judiciário gaúcho é mais do que uma falha institucional; é um símbolo de uma crise mais ampla. A paralisia das instituições judiciárias no Rio Grande do Sul reflete a paralisia da própria sociedade, mergulhada em um mar de problemas sem solução aparente. As águas que inundaram as ruas parecem materializar o desespero coletivo.
Enquanto a chuva continua a cair, as ruas da cidade se transformaram em rios, levando consigo os vestígios de uma ordem que parece cada vez mais distante. A população, sem alternativas, busca se adaptar, encontrar novas formas de resistência. Pequenos grupos de ajuda mútua surgem, tentando preencher o vácuo deixado pelo Estado e pelo Judiciário.
Em meio a esse caos, a ideia de uma intervenção começou a ganhar força. Não uma intervenção militar, mas uma intervenção cívica, uma mobilização da sociedade em busca de soluções emergenciais. As pessoas se uniram, não mais esperando por uma luz no fim do túnel, mas criando suas próprias lanternas para iluminar o caminho.
Apesar de pequenos gestos, cada ato de solidariedade se transforma em um farol de esperança. Os fóruns permanecem fechados, mas a justiça precisa encontrar novas formas de se manifestar, nas ruas, nas comunidades, nos corações das pessoas.
E assim, quando a chuva finalmente vir a cessar, o Estado vai emergir das águas, não como uma vítima passiva, mas como uma sociedade resiliente, disposta a lutar por seu futuro. Os fóruns, ainda fechados, simbolizam um sistema que precisa ser repensado, reformado, revitalizado. E a crise, em toda sua brutalidade, mostra a necessidade urgente de um novo começo, onde a justiça, a economia e o meio ambiente não sejam apenas problemas a serem resolvidos, mas partes integradas de uma solução sustentável.
Tenho certeza que a esperança e a justiça devem emergir, não das instituições paralisadas, mas da força e da solidariedade de seu povo. E, se a história nos ensinou algo, é que a união da sociedade pode superar até mesmo as maiores tempestades.
Ciane Meneguzzi Pistorello é advogada, com pós-graduação em Direito Previdenciário, Direito do Trabalho e Direito Digital. Presta consultoria para empresas no ramo do direito do trabalho e direito digital. É coordenadora do Curso de Pós-Graduação Latu Sensu em MBA em Gestão de Previdência Privada – Fundos de Pensão, do Centro Universitário da Serra Gaúcha – FSG.
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