Uma pergunta que me foi feita por estes dias foi esta: “Os descendentes dos imigrantes continuam a transmitir o Talian dentro de suas famílias?” Trata-se, sem dúvida, de uma pergunta chave dentro de uma política de preservação da língua como signo de identidade cultural.
Como resposta a ela, há um estudo feito pelo jornalista Tales Giovani Armiliato para sua dissertação de mestrado na Universidade de Caxias do Sul, no ano de 2010. Há uma década apenas, o que lhe confere algum grau de atualidade. Acompanhei bem de perto sua pesquisa como professor orientador.
O autor a colocou em domínio público, em matéria com este título: A Comunicação no Rádio e a Preservação de uma Identidade Linguística Regional: o Talian. O texto integral do estudo está, portanto, ao alcance dos interessados.
Ao resumir a história do Inventário do Talian como patrimônio imaterial brasileiro, acentuei a importância do papel dos programas de rádio em língua Talian naquele processo. Pois o estudo de Armiliato toma por base o programa Cancioníssima, veiculado pela Rádio São Francisco SAT, de Caxias do Sul. O programa foi criado nos anos 80 pelo Grupo teatral Miseri Coloni, buscando “preservar a cultura, a história e a língua Talian dos imigrantes italianos que chegaram à região da serra em 1875”, como refere o autor.
A pesquisa não ficou no plano linguístico, mas na dimensão sociocultural adquirida pelo programa. Nesse sentido, a pesquisa se deteve num exame detalhado do “perfil dos ouvintes”. Entre os entrevistados, estavam ouvintes de Caxias do Sul e de mais dez municípios da região, e até mesmo de um de Santa Catarina, que acompanhavam o programa.
Uma das perguntas feitas a cada ouvinte entrevistado foi precisamente esta: como foi feito por ele o aprendizado da língua Talian. Dos dados recolhidos, foi possível esta constatação: quase cem por cento da primeira geração, a dos avós, ensinou o Talian aos filhos; já na segunda geração, a dos pais, o número caiu quase pela metade, sendo pouco mais de cinquenta por cento os que transmitiram a língua; e na terceira geração, o número teve outra queda: menos de trinta por cento repassou o aprendizado da língua à geração seguinte, em que apenas oito por cento entendia e falava o Talian.
Questionados sobre o motivo de acompanharem o programa Cancioníssima, a grande maioria dos ouvintes respondeu que ele evocava lembranças de família. Mas, conclui Armiliato em seu estudo: “O rádio não ajuda na transmissão do Talian, mas na sua valorização. Portanto, auxilia na preservação”.
Estudos sobre a língua Talian continuam sendo objeto de interesse dentro de várias universidades. Mais de uma vez tenho sido convocado para contribuir com pesquisas sobre o tema. De uma delas é que me veio a pergunta citada no começo...
Outra pergunta recebida foi: “Que ações apontaria como importantes para a valorização do Talian como patrimônio cultural?”.
Repito aqui minha resposta:
A primeira, reconhecê-la como língua oficial em cada município onde haja falantes e/ou difusores do Talian.
A segunda, criar um sistema de ensino da língua, de forma presencial nas escolas, e também nas redes sociais.
A terceira, estimular a produção de textos em Talian, podendo ser criados concursos com esta finalidade.
A transmissão da língua, quase interrompida pela via familiar, pode ser retomada por outros instrumentos. Mas o povo que foi capaz de criar uma cultura será capaz também de a reavivar!
José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado “O Quatrilho”, que foi adaptado ao teatro pelo grupo caxiense Miseri Coloni; ao cinema por Fábio Barreto, concorrendo ao Oscar e transformado em ópera.
pozenato@terra.com.br
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