Depois de situações na região da Serra Gaúcha terem sido qualificadas como trabalho degradante e, por isso, análogo à escravidão, percebi o interesse da sociedade nesse assunto. Então, o questionamento: quando se configura a “escravidão moderna”?
Para o Direito no Brasil, quatro são as modalidades qualificadas como trabalho análogo ao escravo: promover condições degradantes de trabalho; fazer com que as funções aconteçam de maneira forçada; condicionar jornadas exaustivas; e gerar trabalho no regime de servidão. Existindo uma dessas situações, de forma isolada ou mútua, há irregularidade trabalhista, que afeta a dignidade do trabalhador e, portanto, há a configuração de analogia à escravidão.
Não fornecer água potável ou em quantidade insuficiente, inexistir ou haver baixo número de sanitários, expor o trabalhador a acidentes e doenças que podem ser provocadas, por exemplo, pela ausência de equipamentos de proteção individual (EPIs). Essas são situações que se configuram como condição degradante de trabalho.
Quanto ao trabalho forçado, alguns exemplos são: restringir a locomoção do trabalhador, reter documentos, não pagar salário. Enfim, situações que obrigam que o funcionário permaneça vinculado ao empregador.
Em relação às jornadas exaustivas, estas estão configuradas quando o trabalhador coage seu funcionário a laborar por longos períodos, o que provoca danos físicos, psíquicos e emocionais, uma vez que está sendo impedido que o organismo se recupere no período de descanso.
E, por fim, a servidão por dívida configura-se quando há descontos irregulares no salário, como, por exemplo, cobrar por transporte ou por comida vendida apenas no local de trabalho e, ainda, por um valor acima do comum.
A “escravidão moderna”, além de ter consequências trabalhistas e cíveis, também é prevista como crime, conforme o que legisla o artigo 149 do Código Penal, com a pena de reclusão - de dois a oito anos -, além do pagamento de multa.
Muitos empregadores pensam que estão ofertando um emprego àqueles que pouco ou nada têm, mas submeter seu funcionário a uma jornada superior às duas horas extras previstas em lei, sem descanso semanal e, pior, sem fornecimento dos corretos EPIs e num ambiente degradante, não é admissível pela legislação brasileira em vigor.
É constatado que, com o intuito de erradicar a escravidão no Brasil, o Ministério do Trabalho e o próprio Ministério Público do Trabalho têm procurado penalizar com rigor, através de condenações penais e trabalhistas, aqueles que se aproveitam do estado de necessidade de captação econômica do cidadão. Mas, também, torna-se perceptível que a sociedade não tem aceitado empresas que adotam essas práticas, não adquirindo produtos daqueles que tiveram seu nome vinculado à analogia à escravidão.
Lamentável chegarmos a 2023 e ser preciso informar à sociedade o que é a “escravidão moderna”. O respeito aos Direitos Trabalhistas é uma regra a ser seguida pelas empresas que querem crescer e se solidificar na atual sociedade.
Ciane Meneguzzi Pistorello é advogada, com pós-graduação em Direito Previdenciário, Direito do Trabalho e Direito Digital. É coordenadora e professora de pós-graduação em Direito Previdenciário pela FSG. Presta consultoria para empresas no ramo do direito do trabalho e direito digital.
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