Era uma vez, em um mundo que se recusa a acordar, que vivia uma ameaça silenciosa, mas estrondosa, chamada mudanças climáticas. O que era uma vaga teoria se tornou uma realidade tão óbvia quanto uma pedra no sapato. Mas, ah, que conveniente é ignorar uma pedra quando ela afeta apenas os sapatos dos outros, não é mesmo?
Vamos falar sobre as enchentes no Rio Grande do Sul, que recentemente transformaram o estado em uma grande lagoa desordenada. Mais de 94% das cidades foram atingidas entre abril e maio de 2024. Quase metade da população gaúcha se viu nadando, literalmente, em problemas. Dois milhões de pessoas tiveram suas vidas viradas de cabeça para baixo, e as manchetes? Ah, essas ainda discutem se o aquecimento global é ou não real.
É como se tivéssemos sido convidados para um banquete no Titanic, e enquanto o navio afunda, estamos mais preocupados em discutir o menu do jantar. A boa ciência já se pergunta se atingimos o ponto de não retorno nas mudanças climáticas. E a resposta? Está escondida em algum lugar entre as montanhas de plástico que acumulamos nos oceanos e as florestas que transformamos em papel higiênico.
No mundo do trabalho, os impactos das mudanças climáticas são visíveis. Segundo a OIT, cerca de 70% dos trabalhadores já sentem na pele - literalmente - os efeitos das alterações climáticas. Mas quem se importa, não é mesmo? Afinal, são apenas estatísticas, e estatísticas nunca nos tocam realmente, até sermos nós a fazer parte delas.
Os mais pobres, claro, são os mais afetados. Sempre foram. Vivem em áreas mais vulneráveis, têm menos recursos para se defender e, ainda assim, seguimos em frente como se tudo estivesse bem. Quem precisa de um plano de emergência quando se pode rezar para que a próxima enchente não nos alcance? Ironia? Que ironia.
Os trabalhadores rurais, coitados, veem suas safras destruídas. E como resolver isso? Mais pesticidas, claro! Afinal, quem se importa com o aumento do câncer ou das doenças parasitárias quando o importante é salvar a colheita deste ano? O futuro que se dane, desde que o presente esteja lucrativo.
A legislação brasileira, um espetáculo à parte, decidiu que trabalhadores expostos ao calor natural não têm direito ao adicional de insalubridade. Sim, claro, porque o sol que queima a pele de um trabalhador ao ar livre não é insalubre. Devem ser férias, e ninguém nos avisou.
Enquanto isso, os reguladores continuam a reduzir as fiscalizações, tornando a situação ainda mais precária. Menos fiscalização significa mais liberdade para explorar. E explorar é bom para os negócios, dizem.
E assim seguimos, ignorando as evidências que se acumulam como lixo nas praias. Talvez devêssemos ouvir Macron, quando ele disse que estamos perdendo a corrida contra as alterações climáticas. Ou talvez, continuemos discutindo se a Terra é plana, enquanto as cidades afundam e os trabalhadores sofrem.
Porque, afinal, é mais fácil discutir teorias do que encarar a realidade. E a realidade, essa sim, é uma verdadeira catástrofe anunciada.
Ciane Meneguzzi Pistorello é advogada, com pós-graduação em Direito Previdenciário, Direito do Trabalho e Direito Digital. Presta consultoria para empresas no ramo do direito do trabalho e direito digital. É coordenadora do Curso de Pós-Graduação Latu Sensu em MBA em Gestão de Previdência Privada – Fundos de Pensão, do Centro Universitário da Serra Gaúcha – FSG.
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