Por Eulália Isabel Coelho
Ele diz que não passaria o isolamento social com Annie Wilkes ou Jack Torrance, personagens de Misery: Louca Obssessão (1990) e O Iluminado (1980), respectivamente. Criador de histórias de dar medo, Stephen King revelou em entrevista recente ao “The late Show”, de Stephen Colbert, que se sentiria mais seguro com a personagem Holly Gibney, da Trilogia Bill Hodges: Mr. Mercedes, The Outsider e If It Bleeds. “Ela é legal. Não sei se ela é uma favorita dos fãs, mas ela é a minha favorita”. Mesmo se não for, é certo que ninguém quer passar a pandemia ao lado de Pennywise, de It – A Coisa (2017), não é?
Mas afinal, quem é a personagem favorita do escritor? Holly Gibney é uma investigadora particular bem diferente, com um leve autismo e superinteligência. Ela tem a capacidade de desenvolver um raciocínio fazendo links com vários acontecimentos, até mesmo os de ordem sobrenatural. Ela reconhece uma música sem nunca tê-la ouvido e pode dizer a altura de um prédio ou de uma pessoa apenas olhando para eles. Sabe tudo sobre mitologia, marcas de carros, seus anos de fabricação e muito mais. Holly é surpreendente e também a melhor em seu trabalho.
É assim que a vemos no recente The Outsider (2020), da HBO. A série, com dez episódios, baseia-se na obra homônima de Stephen King, lançada em 2018. Com uma narrativa desapressada, vamos acompanhando os personagens e suas vidas complicadas por perdas e pela busca da verdade que envolve uma investigação criminal. Um crime bárbaro é cometido e o detetive Anderson não tem dúvida do culpado. Mas será que as coisas são o que parecem? Em se tratando de King, com certeza, não. Por isso, Holly é convidada a investigar o mistério que pode resolver a complexa equação.
Cynthia Erivo é Holly Gibney
Desde o primeiro episódio ficamos curiosos e é quase imediata a vontade de ir adiante. Sim, é uma série para maratonar. Tensão, suspense e drama são dosados com qualidade e atuações de primeira.
Cynthia Erivo, que concorreu ao Oscar desse ano nas categorias Melhor Atriz e Melhor Canção Original por Harriet, encanta. Sua personagem é muito bem construída, tem o tom certo. É autoconfiante sem ser arrogante, sensível e obstinada.
Ben Mendelsohn, como o torturado e incrédulo detetive Ralph Anderson, não fica atrás. O ator consegue dar a dose exata de melancolia ao seu personagem. Todo o trabalho corporal, as expressões e o olhar de Mendelsohn, sinalizam para a sua dor, a perda do filho adolescente. Sua mulher, Jeannie, interpretada com grande sensibilidade por Mare Winningham, é seu contraponto perfeito. Os dois sofrem, cada um a seu modo, e se apoiam um no outro.
Ben Mendelsohn, detetive Anderson
Jason Bateman vive Terry Maitland, treinador de um time infantil de beisebol acusado pela morte brutal de um menino de 11 anos. Apesar de ficar provado que ele não estava na cidade no momento do crime, é a imagem dele que aparece em câmeras de segurança, tanto ali quanto a quilômetros de distância. Como ele poderia estar em dois lugares ao mesmo tempo? Essa é a chave que abrirá inúmeras inquietações no espectador. Descobriremos o que aconteceu junto com os personagens.
Bateman, além de entregar uma performance poderosa ao seu personagem, também dirigiu os dois primeiros episódios. Em 2019, ele ganhou o Emmy pela direção de Ozark, série com término previsto para esse ano.
Jason Bateman vive Terry Maitland
A série tem impacto e, entre as adaptações das obras de King, é uma das mais bem-feitas, aprovada por ele, inclusive. O final, contudo, não está à altura. Mas o próprio escritor admite que tem dificuldade para criar bons finais. Nele sentimos falta de toda a tensão que permeou cada episódio. Daquela ansiedade por descobrir mais, das surpresas e até da empatia pelos personagens. O grande embate, tão aguardado, fica aquém do que prometia. Dá uma sensação de “como assim?” e “quero mais!”.
Assista ao trailer de The Outsider AQUI
Julianne Nicholson é Gloria Maitland
DE OLHO NO SET
Jason Bateman, além de atuar e dirigir, é também produtor-executivo de The Outsider junto com o colega Ben Mendelsohn
Stephen King é o escritor vivo mais adaptado para cinema e televisão. Ele explica o fato: “Sou um escritor visual, e isso atrai os cineastas”.
Nas últimas quatro décadas, pelo menos 60 romances e contos do autor viraram filmes e séries. São 40 filmes e 20 séries.
Em junho, no programa “The Late Show”, o escritor brincou com a possibilidade de ter “previsto” a pandemia em sua obra A Dança da Morte (1978), na qual um vírus devasta o planeta.
A história apocalítica é uma das preferidas dos leitores e já foi adaptada para a TV em 1994, pela rede norte-americana ABC, com roteiro de King.
A CBS prepara para breve a sua versão seriada de A Dança da Morte, para a qual Stephen King reescreveu o final.
O terrível e demoníaco Randal Flagg será interpretado por Alexander Skarsgård, da série Big Little Lies (2017-2019).
CRÉDITO DAS FOTOS: Bob Mahoney/HBO
Eulália Isabel Coelho é jornalista, professora de cinema e escritora
bibacoelho10@gmail.com
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