Meu pai tem uma tobata. Tobata tobata, daquelas que está escrito no motor: Tobata. Mas volta e meia – de manivela – dá uns tilts. Aí tem de fazer uma mágica. Tacar-lhe querosene no tambor do óleo. Tacar-lhe óleo na caixa da marcha. Meter-lhe fogo no radiador. Se não pegar, só resta dar martelada no motor de partida – o burrinho, como dizem os alquimistas da mecânica antiga.
Tobata só pega por rima interna. No frio, a graspa. No calor, o cuspe com gê.
Mas é o único motor que te salva na hora de subir a serra com a motosserra. Na hora de descer o barranco embarrado. Na hora de transportar os transtornos para o monturo.
Monturo Tobata. O herói da Colônia seria um samurai japonês.
Horas depois, na cidade, eu preciso escrever. Aperto o botão do computador e não liga. Aperto de novo e desliga de vez. Fez um barulho de ventoinha, acionou o radiador e pfzum.
Cadê a manivela desse troço? Cadê a fumaça indicando que, no mínimo, há sinal de fogo nesse mecanismo? Cadê o indício de voia, anca poca, nesse utensílio?
Há quanto tempo não escrevo um texto com os dedos? Da última vez, saíram só duas frases, mas, como a moda era fazer poesia com uma palavra em cima da outra, fiz uma epopeia. As almejadas toras de pensamento, no entanto, se perderam. Aprendi a pensar digitalmente e as ideias não cabem mais na analogia. Viraram hiperlinks.
Meu pai tem uma tobata, tobata tobata, que é o som que ela faz quando ele tenta ligá-la lá na quarta légua. Vou repetir o início do texto porque, até agora, o computador não ligou e, segundo o professor Carrascoza, um texto publicitário bem feito (apolíneo) deve ecoar o início no fim. Isso é minha versão do que o Carrascoza faz, quando ele fala de infância, essa fase que só pega no tranco, por tentativa de imitar o erro do pai.
E eis que num clique acordou o pc. Vou ter de decifrar minha letra e passar tudo isso a limpo.
Paulo Damin é escritor e tradutor em Caxias do Sul.
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