Caxias do Sul 22/11/2024

Testes ousados conquistam a confiança do consumidor

As aventuras das montadoras brasileiras de veículos nos anos 1960
Produzido por Luiz Carlos Secco, 11/11/2022 às 08:30:47
Foto: ARQUIVO PESSOAL

Para ganhar a confiança do consumidor e demonstrar a resistência e confiabilidade de seus veículos, a Simca e a Willys promoveram, nos anos 1960, testes de longa duração com seus carros. Em ações inimagináveis hoje em dia, os pilotos se revezando diuturnamente ao volante dos automóveis por mais de um mês, percorrendo mais de 120 mil quilômetros.

Podem imaginar, há 58 anos, em outubro de 1964, dois grupos de pilotos, da Simca do Brasil e da Willys Overland, participando coincidentemente de programas promocionais com testes de seus automóveis para comprovar a resistência e a durabilidade dos produtos?

A Willys utilizou o Autódromo de Interlagos e submeteu um Gordini à tentativa de atingir 50 mil quilômetros, sob a condução de pilotos de sua equipe de corridas. A Simca escolheu as estradas que ligam Brasília, capital da República, e a cidade de Paracatu, no estado de Minas Gerais, pelas características variadas do percurso que, como Interlagos, também exigiram muito dos automóveis para percorrer mais de 120 mil quilômetros.

Foram programas similares idealizados por cada fábrica com a finalidade de mostrar que os produtos tinham qualidade e nível de durabilidade para enfrentar o primarismo das estradas brasileiras.

Só os mais velhos, como eu, conheceram as estradas não pavimentadas que, em períodos chuvosos, deixavam os veículos, principalmente caminhões, que transportam produtos, encalhados em lamaçais, até na Rio-São Paulo, que ligava as duas mais importantes capitais do País. Uma sacrificada aventura para os caminhoneiros. Além dos testes coincidirem em data, os automóveis utilizados eram de origem francesa e foram importantes para as duas empresas na fase inicial da produção de veículos no Brasil.

O objetivo das fábricas, duas pioneiras do programa desenvolvido para transformar o Brasil em importante produtora de veículos, foi promover os testes para transmitir aos consumidores maior credibilidade e demonstrar que estavam adquirindo automóveis resistentes e cada fábrica ainda incluiu outras virtudes: a Simca, realçando a beleza, e a Willys, o desempenho, com o slogan “40 hp de emoção”. Imaginem que emoção.

Simca, o mais resistente e o mais bonito (Foto: Arquivo pessoal)

Embora fossem ideias simples, na fase de implementação da indústria automobilística os responsáveis pela área de comunicação das fabricantes de veículos eram muito ousados e, embora não tivessem experiência nessa atividade, compensavam com eventos que, além de agradar, provocaram entusiasmo e, ainda, transmitiram, a quem os acompanhou, conhecimentos e importante contribuição cultural.

O engenheiro Carlos Calza, do Departamento de Engenharia da Simca, lembra que ele e o companheiro de trabalho Zezé Gorga visitaram diversos estados brasileiros para a escolha do percurso a ser cumprido e elegeram as rodovias que ligam Paracatu, no interior de Minas Gerais, à capital do País, por ter as severas características propostas, assim como baixa movimentação de veículos.

O teste permitiu à agência de publicidade Denison explorar que, durante 44 dias e 44 noites, o modelo Simca Tufão Rallye percorreu, do dia primeiro de outubro a 14 de novembro de 1964, a distância de 120.048 quilômetros, que gerou o tema três voltas ao mundo para a campanha de vendas. Mais do que a distância percorrida equivalente a três voltas ao redor da Terra, o incrível foi a média horária alcançada: 113,1 km/h.

Podem imaginar andar por 44 dias e noites em uma estrada precária, parando por dois minutos a cada 224 quilômetros para abastecimento e checagem do veículo e ainda assim fazer média horária de 113 km? É preciso andar o tempo todo de pé embaixo perto dos 150 km/h de velocidade máxima do modelo. Detalhe, sem cinto de segurança, sem farol de LED, sem proteção alguma e em uma estrada totalmente aberta, com neblina intensa, alguns dias de chuva e animais à solta.

Tufão, rodando a 113km/h (Foto: Arquivo pessoal)

No Autódromo de Interlagos, a Willys contou com a presença de um representante da FIA (Federação Internacional de Automobilismo) para oficializar e orientar os brasileiros e administrar a burocracia necessária para a homologação dos recordes que, ao final do teste, o Gordini percorreu 51.233 quilômetros no Autódromo de Interlagos, em 22 dias, com 133 recordes, entre os quais, 54 nacionais e 25 internacionais.

Os testes do Simca Tufão Rallye e do Gordini Willys tiveram lances inusitados e perigosos, o que foi comprovado com o capotamento do Simca durante a prova. Para escapar de um cavalo no meio da estrada, o piloto desviou o carro no acostamento, que teve um pneu furado, bateu em um barranco e capotou. Com amassados em toda a carroceria, pára-brisas e vidros laterais traseiros quebrados, a equipe considerou ser desnecessário dar prosseguimento, porque o objetivo havia sido alcançado e o programa cumprido com êxito, sem a necessidade de correr maiores riscos.

Em Interlagos, no dia 26 de outubro de 1964, teve início o teste do Gordini, com revezamento dos pilotos. Mas, nos primeiros dias do teste, o Gordini, conduzido por Bird Clemente, um dos principais pilotos, ao chegar no final da reta do autódromo, derrapou nos pedriscos formados pelo desgaste da recapagem da pista e, apesar da experiência do piloto, também capotou.

Gordini, funcionando mesmo após capotamento (Foto: Arquivo pessoal)

Por ter ficado em posição normal ao final do acidente e com o motor funcionando normalmente, Bird o levou até o box, onde o fiscal da FIA e os diretores da Willys optaram pela continuidade do teste, após uma revisão feita pela equipe de mecânicos, a despeito da falta de pára-brisas e do vidro traseiro e da total deformação da carroceria. Completamente amarrotado, o Gordini prosseguiu no teste e, no dia 17 de novembro, atingiu a marca de 51.233 quilômetros.

O grupo de criação da Agência Salles Propaganda, inspirando-se no fato de o carro, mesmo completamente amassado, ter cumprido o teste, decidiu usar na campanha de venda o nome que recebeu ao longo do teste – Gordini Teimoso – para denominar a versão de carro popular criada logo depois pelo governo para incentivar as vendas.

Luiz Carlos Secco trabalhou, de 1961 até 1974, nos jornais O Estado de São Paulo e Jornal da Tarde, além da revista AutoEsporte. Posteriormente, transferiu-se para a Ford, onde foi responsável pela comunicação da empresa. Com a criação da Autolatina, passou a gerir o novo departamento de Comunicação da Ford e da Volkswagen. Em 1993, assumiu a direção da Secco Consultoria de Comunicação.

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