Era o Palm Sunday (assim é chamado o Domingo de Ramos nos Estados Unidos), a Semana Santa estava se iniciando e eu minha esposa Leila nos perguntávamos se teríamos que trabalhar na Good Friday. A clínica de fisioterapia em que ela trabalha é considerada serviço essencial e teve a jornada semanal reduzida para segundas, quartas e sextas-feiras.
Trabalhar ou não, a partir de casa, no meu caso, impactaria apenas na quantidade de telefonemas para atender, no caso de ter muitos ou poucos clientes trabalhando no holiday - em inglês mesmo, porque a palavra “feriado” passaria a impressão brasileira de que é dia em que não se trabalha. Muito mais relevante do que a determinação da empresa ao dizer se eu estaria de folga na Sexta-Feira Santa é o fato de haver clientes precisando de ajuda, telefonando, enviando mensagens, e-mails. No caso da Leila, seu patrão, de fé judaíca, já havia se vangloriado outrora pelo fato de exepcionalmente ter concedido como folga a seus funcionários à véspera daquele feriado que chamamos de Natal.
Na segunda-feira à noite, a Leila começou a se queixar de irritação na garganta e de uma leve e intermitente dor de cabeça e apresentava tosse leve, esporádica. Na manhã seguinte, ela comentou a respeito de um aperto no peito, que persistiu ao longo do dia. A tosse voltou à noite.
Como já fazia mais de duas semanas que vínhamos diariamente medindo a temperatura corporal em busca de um sintoma precoce e até então seguíamos ambos sem febre, consideramos que não havia quadro que justificasse a busca por um teste para Covid-19, e discordei quanto à necessidade de dormirmos em quartos separados (e talvez já fosse tarde demais para iniciar o distanciamento).
Por outro lado, restava a dúvida: que outro tipo de virose ela poderia ter contraído após passar a usar máscara e luvas descartáveis tanto no trabalho quanto para ir ao supermercado, tendo deixado de usar o trem para ir trabalhar?
Na quarta-feira de manhã, o único sintoma apresentado pela Leila foi ter acordado com o nariz entupido. Ao descever os sintomas para seu patrão, prontamente foi recomendado a ela que permanecesse em casa o restante da semana, aguardando por outros sintomas. Tínhamos o receio de que haveria crise de tosse ou espirros, mas, muito pelo contrário, a Leila não apresentou nada a ponto de nos alarmarmos.
Segui minha rotina de trabalhar em casa, no estúdio de música transformado em sala de teleconferências e laboratório de automação industrial. Pela primeira vez, senti o mesmo tipo de dor de cabeça, leve e intermitente, daquelas que sequer motivam a tomar um analgésico e, por um instante, uma dor no peito, mas de dor mesmo, não de aflição.
Na quinta-feira, a Leila se queixou de dor muscular nas costas.
Na Sexta-Feira Santa pela manhã, tive febre pela primera vez, que regrediu sem medicação, e nosso nível de alerta avançou para o “nível dois”. Telefonamos e deixamos recado para a médica de Primary Care – algo como Clínica Geral – com quem a Leila se consulta periodicamente.
A médica retornou a ligação no final do dia e em seguida entrou em contato com um dos hospitais da cidade para agendar o exame da Leila que, apesar de não apresentar febre nem complicações respiratórias, esteve trabalhando em contato com o público nos últimos dias. Já eu, mesmo com febre, como ainda não me consultei com médico de Primary Care, ainda não tenho um profissional a quem possa solicitar exames para mim.
Às 19h30, enquanto falava com um cliente de Salt Lake City (eram 17h30 para ele) senti um mal-estar e resolvi medir minha temperatura mais uma vez: 38º C. Diferentemente de minha esposa, que não apresentou febre, eu precisei tomar um Lisador para lidar com tal situação, que regrediu e não voltou mais.
Foi no sábado que comecei a sentir dor muscular nas costas e irritação na garganta, que persistiram ao longo do Domingo de Páscoa. Na segunda-feira desta semana, recebemos o telefonema do pessoal do hospital, informando data, horário e local para a coleta de material para o exame, conforme a médica havia previsto que aconteceria.
Na terça-feira, parei de sentir cheiro e o sabor das comidas.
A coleta foi feita na quarta-feira às 18h15, num sistema drive-through em frente ao hospital, onde não foi necessário nem mesmo desembarcar do veículo, apenas baixar o vidro da janela para que inserissem no nariz da Leila uma haste plástica com algodão na ponta.
O resultado chegou 24 horas depois, na quinta-feira, dia 16 de abril de 2020, momento em que escrevia este relato.
Até agora, não sentimos dificuldade respiratória alguma e, diante da possibilidade quase nula de que o quadro se agrave – a Leila já não apresenta sintoma algum e a mim resta apenas o nariz parcialmente obstruído pela coriza e sem olfato –, consideramo-nos fazer parte do abençoado e grande grupo que, por não apresentar complicações respiratórias, só acredita ter contraído o até então temido Covid-19 ao estar diante do laudo laboratorial.
Eu ainda preciso verificar se o fato de morar com uma pessoa que testou positivo, somado ao quadro de sintomas, com febre no meu caso, será suficiente para justificar que um teste seja destinado a mim. Enquanto isso, seguiremos mais duas semanas sem sair de casa, nem mesmo para ir ao supermercado.
Felipe Atti dos Santos é natural de Caxias do Sul, engenheiro mecânico formado na UCS. Reside na Região Metropolitana de Nova York desde maio de 2019, onde trabalha como engenheiro de aplicação na filial americana da empresa KraftPowercon.
e-mail: phelps_bassmann@icloud.com
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