As tabuinhas – scândole, na língua Talian – foram uma solução para a cobertura das casas desde o início da imigração italiana na Serra Gaúcha. Eram feitas manualmente, rachando toras de madeira, quase sempre de pinheiro, à força de machado.
Seu Loca, natural de São Francisco de Paula, e que trabalhou em serrarias de Bom Jesus a partir de 1930, contou coisas bem interessantes. Uma delas foi que todas as serrarias que conheceu eram de madeireiros de Caxias do Sul. E citou o nome de quase todos eles: Oliva, Gasperin, Dal Bò, Baldasso, Zulian... O mercado da madeira estava em expansão, com o crescimento rápido da cidade, em especial a partir da chegada do trem em 1910.
Outra informação importante de Seu Loca foi a de que, mesmo quando se consolidou a indústria da madeira, a produção de tabuinhas para telhado manteve cunho artesanal. Houve serrarias que tentaram industrializar as tabuinhas, sem êxito. Sendo serradas, absorviam a chuva e apodreciam em pouco tempo, além de ficarem muito pesadas para serem sustentadas. Assim, as scândole de madeira rachada continuaram com seu mercado garantido.
Seu Loca trabalhou na produção de tabuinhas, que aprendeu com o pai: “Meu pai era tabuinheiro, e eu também sou”.
Assim ele descreveu a técnica sofisticada que devia ser seguida:
Em primeiro lugar, era preciso escolher o pinheiro. Tinha que ser um pinheiro “maduro”, com diâmetro por volta de um metro. “E tinha que experimentar o pinheiro. A gente pegava o machado, ia lá e tirava uma lasca, um cavaco. [...] Aí pegava uma faca para ver se ele rachava ou se tinha torcimento, se ele era de lasca ou não era. Se ele não lascar, não presta pra tabuinha. Tem que conhecer”.
Escolhido o pinheiro, era ele derrubado e dividido em toras do comprimento da tabuinha, que era de três palmos, cortadas a serrote. “Hoje tem motosserra – comentou ele, com ar divertido – mas não tem mais os pinheiros!”
Seu Loca deixou bem clara a diferença entre um bom tabuinheiro, aquele que domina todas as técnicas e é capaz de tirar todas as medidas “de cabeça”, e aquele que precisa riscar na madeira todas as medidas:
A grossura da tabuinha é centímetro e meio. Tem muito tabuinheiro que faz um pauzinho daquela grossura, bota em cima da tora e risca todas as tabuinhas. Mas eu não precisava, porque tinha na cabeça a grossura certa. Também, toda a vida uma grossura só! Não precisava riscar.
As ferramentas eram extremamente rudimentares: um ferro em forma de cunha, um macete, ou pequeno malho, para bater, e um cutelo para alisar as tabuinhas depois de rachadas, em cima de uma mesa de madeira com um tipo de armação para prender a tabuinha.
Feitas as tabuinhas, eram elas empilhadas, de forma gradeada, “com cem tabuinhas por pilha. Dava pra botar duzentas, mas pro vento não derrubar, eram cem tabuinhas por pilha. Elas eram vendidas por milheiro”.
Além das tabuinhas, Seu Loca era especialista também em fazer tábuas rachadas:
Eu rachava tábua também, e falquejava. Essa é outra do tempo antigo. A casa era arrumada com tábua lascada também. Que era rachada igual à tabuinha, como tou contando. Mas com uma machadinha ou machado grande.
Ou seja, produzir tabuinhas e fazer tábua lascada eram tarefas de técnica semelhante. A produção de tábuas lascadas desapareceu com o advento das serrarias. Sobraram as tabuinhas, para prolongar essa arte de decifrar e de entender os veios da madeira do pinheiro...
José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado “O Quatrilho”, que foi adaptado ao teatro pelo grupo caxiense Miseri Coloni; ao cinema por Fábio Barreto, concorrendo ao Oscar e transformado em ópera.
pozenato@terra.com.br
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