Caxias do Sul 21/11/2024

Stones no cinema: réquiem para um amigo que partiu

Homenagem do site ao jornalista Jair da Motta, cuja paixão era a música e o eterno rock´n´roll
Produzido por Eulália Isabel Coelho, 28/01/2021 às 15:07:13
Foto: LUIZ CARLOS ERBES

Eulália Isabel Coelho

Há encontros na vida que parecem destinados ao sublime afeto e assim foi, mas você teve de partir esta semana, levado pela Covid-19. Você não resistiu e nossos corações estão pulsando na dor da tua ausência, Jair, meu querido Jack.

Hoje, pensando em ti, lembrei da primeira vez que nos falamos por telefone. O ano devia ser 1986, talvez 87, trocamos algumas palavras e logo me senti à vontade, porque você era assim, deixava o papo correr com leveza.

Combinamos de você escrever uma coluna semanal sobre música para o caderno de cultura do jornal Pioneiro, o “Sete Dias”. A partir daí, até sua vinda para Caxias, a gente nunca mais parou de trocar figurinhas sobre música, cinema, pautas culturais e temas afins.

Dessa forma o conheci, sorriso franco, paixão absoluta pelos Rolling Stones. Quando você foi ao show deles, em 1995, eu vi teu olho brilhar numa alegria quase infantil. Você tinha um quê de criança muito bonito. Isso te conferia um certo charme, mas acho que você nem desconfiava.

Jornalista Jair da Motta, coração “stoneano”

CRÉDITO DA FOTO: Luiz Erbes

Você foi uma das pessoas mais gentis que conheci no meio jornalístico. Não à toa tem recebido inúmeras homenagens de seus colegas nas redes sociais. Os que tiveram o privilégio de conviver com você, falam - com o coração amarrotado pela tristeza - de como você era generoso, compreensivo, inteligente, parceiro de trabalho, um gentleman. Mas vez ou outra você ficava indignado com algumas coisas e costumava se agachar ao lado da minha mesa para reclamar. E tinha o jeito aquele de mexer a cabeça suavemente para um lado depois de um sorriso. Era algo peculiar, como que um indicativo à uma certa timidez. Eu achava você bem tímido, às vezes.

A gente tinha uma ligação de admiração mútua e de alegria, mesmo quando as coisas não iam bem. E muitas vezes não foram. Nessas horas, a música salvava você dos aborrecimentos. Eu gostava quando saía um álbum novo de algum artista e você vinha me contar o quanto tinha gostado ou não.

Teu conhecimento musical era impressionante. Você entendia essa arte a fundo, sem ficar se mostrando. Havia em você essa capacidade empática com o outro que o distanciava de qualquer comportamento exibicionista.

Eu teria tantas coisas - miúdas coisas cotidianas - para falar, mas preferi fazer uma seleção de músicas dos Stones que, aposto, você ia adorar. São aquelas que fazem parte de trilhas sonoras, algumas de grandes filmes de que você gostava. Outras, de obras menores.

Hoje, os leitores vão conhecê-las ou relembrá-las nas cenas dos filmes, como se você fosse o maestro nos mostrando os acordes de uma partitura em fotogramas. À luz da telinha, te ofereço a clave de sol da inspiração. Ela é a tua batuta, eu apenas sigo o compasso.

STONES EM TRILHAS SONORAS

Há um caso bastante singular que diz respeito ao diretor Martin Scorsese, tão fã dos Stones que produziu e dirigiu o documentário Shine a Light, em 2008, um espetáculo grandioso.

Mas muito antes ele já havia colocado a música “Gimme Shelter” em dois de seus filmes: Os Bons Companheiros (1990) e Os Infiltrados (2007), vencedor do Oscar de Melhor Filme.

Ele também usou “Heart of Stone”, em Cassino (1995) e, na década de 1970, já havia incluído "Tell Me" em Os Cavaleiros do Asfalto (1973).

Sente o som de “Heart of Stone” com cenas de Cassino AQUI

Sente o som de “Gimme Shelter” em cenas de Os Bons Companheiros e Os Infiltrados AQUI

No grandioso Apocalypse Now (1979), o diretor Francis Ford Coppola não deixou por menos e elevou a obra à potência de "I Can't Get No (Satisfaction)". A trilha do filme é uma das melhores do cinema, com Pink Floyd, The Doors e muitos outros.

Sente o som de "I Can't Get No (Satisfaction)” em cenas de Apocalypse Now AQUI

“Satisfaction” no cultuado filme de Coppola

"I Am Waiting", figura em Três é Demais (1998), “Ruby Tuesday”, em Os Excêntricos Tenenbaums (2001) e “Play With Fire” em Viagem a Darjeeling (2007), todos do cineasta Wes Anderson.

Sente o som de “Play with Fire” em cenas de Viagem a Darjeeling AQUI

Anjelica Huston no filme de Wes Anderson

Stanley Kubrick incluiu "Paint It Black", no seu fabuloso e inquietante Nascido Para Matar (1987)

Sente o som de “Paint It Black” com cenas de Nascido Para Matar AQUI

"Jumpin' Jack Flash" ganhou o público em Salve-me Quem Puder (1986), de Penny Marshall, com Whoopi Golberg em cena icônica pedindo, “Fale inglês, Mick!”. A música também aparece na obra Delírio em Las Vegas (1998), de Terry Gilliam.

Sente o som de "Jumpin' Jack Flash", em cena hilária de Salve-me Quem Puder, AQUI

Whoopi Goldberg, graça ao som dos Stones


A lista é longa, confira abaixo outros filmes com música dos Stones elencados por data:

“Not Fade Away”, em A Lágrima Secreta (1967), Ken Loach

“You Got the Silver”, em Zabriskie Point (1970), de Michelangelo Antonioni

“Under the Boardwalk”, em Alice nas Cidades (1974), de Wim Wenders

“Beast of Burden”, em Christine, O Carro Assassino (1983), de John Carpenter baseado em livro de Stephen King

“You Can’t Always Get What You Want”, em O Reencontro (1983), de Lawrence Kasdan

"Time Is On My Side", em Possuídos (1998), de Gregory Hoblit

“Heaven”, em Vanilla Sky (2001), de Cameron Crowe

“Wild Horses”, em Adaptação (2002), de Spike Jonze

“19th Nervous Breakdown”, em Tratamento de Choque (2003), de Peter Segal

“Sympathy for the Devil”, em C.R.A.Z.Y., Loucos de Amor, de Jean-Marc Vallée

“Street Fighting Man”, em V de Vingança (2005), de James McTeigue

“Let’s Spend the Night Together”, em Piratas do Rock (2009), Richards Curtis

"Can't You Hear Me Knocking", em O Vencedor (2010), de David O. Russel

“Under My Thumb”, em Scott Pilgrim contra o Mundo (2010), de Edgar Wright

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Eulália Isabel Coelho é jornalista, professora de cinema e escritora

mail bibacoelho10@gmail.com

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