O inverno sempre convida a privilegiar uma sopa quente no cardápio. E a região da Serra Gaúcha é rica em variedade de sopas e sabores. É possível que o frio, que volta e meia traz a neve, esteja na raiz dessa tendência culinária.
Entre os anos de 2003 e 2007, período em que se construíram as usinas de energia elétrica no Rio das Antas, os pesquisadores da cultura regional do Projeto ECIRS, da UCS, percorreram as duas margens do rio, dentro do programa “Salvamento do Patrimônio Histórico e Cultural”, no trecho entre as usinas hidrelétricas de Monte Claro, Castro Alves e 14 de Julho. A área atingida pelas barragens inclui os municípios de Veranópolis, Cotiporã, Antônio Prado, Nova Roma do Sul, Nova Pádua, Flores da Cunha e Bento Gonçalves.
De todos os elementos culturais registrados, o de maior impacto foi o da riqueza das receitas de cozinha. Tanto que foi publicado um livro com o título de “A cozinha colonial do Rio das Antas”, em 2009, do qual fui coautor. E, no conjunto de uma centena de receitas registradas, ganha relevo o das receitas de sopas, incluindo o bròdo, as minestre, o minestron e, como não podia deixar de ser, a sopa de agnolini, ou capelêti, dois nomes diferentes dados para a mesma sopa. E a pergunta era: qual é o nome certo?
Essa dúvida levou a que se fizessem outras pesquisas, de cunho histórico, sobre as origens dessa sopa na Itália. E a conclusão foi de que também na Itália os dois nomes coexistem.
Mergulhando mais ainda no passado, a gente fica sabendo que a sopa de agnolini teria nascido de uma prática de cunho religioso. Ocorre que o prato festivo do almoço no domingo de Páscoa na Itália, seguindo uma inspiração de origem bíblica, é de longa data o cordeiro, preparado de diversas maneiras, de acordo com tradições locais.
Para os mais pobres, que não conseguiam reunir a família ao redor de um cordeiro pascal assado, inventou-se a sopa de “cordeirinhos”, que é o que significa agnolini. Ela era feita com pequenas porções de carne de cordeiro, bem temperadas e enroladas numa fatia de massa, dobrada de modo a dar a ela o formato parecido com o de um cordeirinho. Segundo os registros, a invenção teria ocorrido entre as regiões de Mântua e da Lombardia. As paróquias reuniam as famílias para essa sopa festiva no domingo de Páscoa. Depois o hábito derivou para outras festas religiosas, costume que veio para a Serra Gaúcha com os imigrantes.
Dessas duas regiões, a sopa de agnolini foi migrando para outras regiões da Itália, com variações também no tipo de carne utilizada para o recheio, ganhando o nome de capelèti. A origem deste último nome tem duas explicações. A primeira é a de que o formado dos agnolini lembra o formato de um “chapeuzinho”, os capelèti, diminutivo de cappello, chapéu em italiano. Outra versão é de que o nome surgiu em homenagem aos membros do clero, que usavam o barrete, um “chapéu quadrangular e rígido”, como parte da indumentária. Formato que se assemelhava ao dos agnolini.
Qualquer que tenha sido a origem desses dois nomes, a sopa de agnolini, ou de capelêti, está incorporada ao patrimônio cultural da imigração italiana. Patrimônio que deve ser preservado com o máximo cuidado. Cuidado que uma senhora de Antônio Prado detalhou desta forma: numa sopa de agnolini bem feita, tem que caber pelo menos três dentro da colher, junto com o bròdo.
Um patrimônio cultural a ser preservado e também saboreado, aceitando o convite insistente do inverno...
José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado “O Quatrilho”, que foi adaptado ao teatro pelo grupo caxiense Miseri Coloni; ao cinema por Fábio Barreto, concorrendo ao Oscar e transformado em ópera.
pozenato@terra.com.br
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