Cada leitor tem sua história de como aprendeu a ler. No meu caso, a matriz, ou motriz, do processo foram os livros de uma estante que meu pai chamava de biblioteca.
Ali encontrei os poetas João de Deus e Olavo Bilac, mais os contos de Charles Perrault e dos Irmãos Grimm, somados aos de Monteiro Lobato e de Simões Lopes Neto, com suas maravilhosas Lendas do Sul.
Acabo de ler numa revista cultural que uma pesquisadora de São Paulo, em levantamento feito entre os anos de 2017 e 2022, “mostrou que alunos que estudavam em escolas em que havia biblioteca tinham desempenho melhor de leitura do que aqueles que estudavam em escolas sem biblioteca”.
Mas não é só a falta de bibliotecas escolares que tem dificultado a formação de leitores. Em exame internacional da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), realizado em 2018, somente dois por cento dos jovens brasileiros têm proficiência na leitura, lá embaixo da tabela com relação a outros países. Os outros são considerados analfabetos funcionais.
Entre os fatores que têm levado a esse resultado tem sido apontado o uso de meios digitais, em computadores e celulares. Há quem pense que esses meios ampliaram o acesso de todos à leitura, em qualquer lugar e em qualquer hora do dia. Mas, por outro lado, há os que apontam que o texto digital é volúvel demais. Não permite, como o livro, parar para repetir a leitura de uma frase, comparar o jogo de palavras, fechar os olhos e imaginar a cena narrada. Ou reler tantas vezes que o texto, em especial na forma de poema, acaba impresso na memória.
Isso aconteceu comigo aos quatro anos de idade, quando fui alfabetizado em casa com a Cartilha Maternal, do poeta português João de Deus. No final da Cartilha, ele colocou um poema, em letras grandes e bem visíveis, que sei de cor até hoje, mais de oitenta anos depois:
Andava um dia
Em pequenino
Nos arredores
De Nazaré
Em companhia
De São José
O Deus menino
O bom Jesus
Eis senão quando
Vê num silvado
Andar piando
Arrepiado
Esvoaçando
Um rouxinol
Mas no fim das contas o que importa é que as pessoas leiam, seja o livro impresso ou digital. Este tem também suas vantagens, como a de fazer consultas para resolver dúvidas eventuais surgidas da leitura. Sem falar que, pelo meio digital, é possível acessar livros de bibliotecas do mundo inteiro. Tudo isso estimula também o cérebro nesta era da velocidade...
José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado “O Quatrilho”, que foi adaptado ao teatro pelo grupo caxiense Miseri Coloni; ao cinema por Fábio Barreto, concorrendo ao Oscar e transformado em ópera.
pozenato@terra.com.br
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