Não faço segredo para ninguém de que Norberto Bobbio é um dos meus mestres prediletos. A clareza e o delineamento fino com que trabalha os conceitos são um alívio para a inteligência. Seu trabalho principal centrou-se no exame dos conceitos sobre política, uma das atividades humanas em que a relação entre instinto e inteligência vive seu maior grau de conflito. Desmascarar as inúmeras camuflagens desse jogo que se quer racional, mesmo quando não é, é uma tarefa que Bobbio não se cansou de levar adiante.
Já sobre o final de seu percurso de intelectual, ele escreveu um pequeno ensaio com o título de “Elogio da serenidade”. Na análise dessa virtude, por duas vezes exclui a serenidade do âmbito da política: “é a mais impolítica das virtudes”, escreve ele no início, para concluir dizendo: “A serenidade é, portanto, uma virtude não política. Ou mesmo, neste nosso mundo ensangüentado pelo ódio provocado por grandes e pequenos potentes, a antítese da política”.
Não há como resumir aqui a finura da análise de Bobbio, que o leitor poderá encontrar na íntegra, e publicada em português. Só não resisto a espicaçar mais um pouco com outra citação: “O homem sereno é tranquilo, mas não submisso, repito, e nem mesmo afável: na afabilidade há certa grosseria ou falta de refinamento na avaliação dos outros. Não tenho dúvidas de que a serenidade é uma virtude. Mas duvido que a afabilidade também o seja, porque o afável não tem uma relação justa com os outros”. Não é um primor? Não é a afabilidade, por sinal, uma das armas (mais detestáveis) do político?
A serenidade proposta por Bobbio como virtude apoia-se em primeiro lugar no absoluto senso de justiça para com o outro. E para ser justo com o outro, diz Bobbio, é absolutamente necessário que ele seja respeitado no que ele é. Por isso, a serenidade é o contrário da arrogância, “entendida como opinião exagerada sobre os próprios méritos, que justifica a prepotência”. Com maior razão, acrescenta meu mestre, “a serenidade é contrária à insolência, que é a arrogância ostentada: o indivíduo sereno não ostenta nada, nem sequer a própria serenidade”.
Nestes tempos em que a truculência verbal parece ser o principal condimento da atuação política, buscar a serenidade, como a descreve Bobbio, parece ser mais que nunca necessário.
José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado "O Quatrilho", que foi adaptado ao cinema, concorrendo ao Oscar.
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