Aí o gringo lá da colônia veio pra cidade e viu, numa encruzilhada, um pouco de farofa, um tanto de pipoca e uma garrafa de cachaça. Tudo misturado com vela colorida.
“Que será que…”, diz ele, encucado.
Achou um desperdício, na verdade: “Esse povo da cidade…”
Mas por via das dúvidas não mexeu em nada.
Seguiu o rumo pro banco (pra que mais um colono viria pra cidade?), onde teve de esperar uma, duas horas. Aí, pra passar tempo, resolveu puxar assunto com as pessoas da fila (era um colono italiano, né; se fosse alemão, não puxava assunto com ninguém).
Contou que tinha visto comida na esquina, misturada com vela colorida. Então uma mulher explicou:
“Isso aí é feitiço pra ficar rico”
“Não”, disse outro. “É pra arrumar noiva”.
“Capaz”, disse um terceiro. “Vela é pra recuperar coisa perdida”.
O gringo voltou pra casa com aquilo na cabeça. Ficar rico? Ele queria. Arrumar noiva? Tudo que ele precisava, desde que a Loiva tinha largado dele. Recuperar coisa perdida? Com certeza: pelo menos aquele metro de terreno que o vizinho tinha avançado.
E foi juntando as coisas. Colheu mandioca, fez farofa. Colheu pipoca, fez pipoca. Vela ele só tinha branca, então pintou umas de azul, com mata-bicheira; umas de vermelho, com raspa de pipa. E na hora da cachaça ele pensou: “Se eu fosse alemão…”
Como não era, decidiu usar GRASPA.
“Os espíritos nem vão notar a diferença”, diz ele.
Tá.
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Sexta-feira treze, botou tudo na encruzilhada (uma pessoa lá no banco tinha dito que era mais infalível se ele botava a coisa na sexta-feira treze). E esperou.
Esperou na própria encruzilhada, que era curioso esse gringo.
Onze e meia, eis que canta o urutau. E o gringo ali, firme.
Quinze pra meia-noite, fecha a cerração – e o gringo ali, firme.
Meia-noite em ponto, passa voando uma coruja – e o gringo ali.
Meia-noite e um: aquela voz do Além – e o gringo amoleceu as pernas.
“Ostregheta!”, diz ele. Ou seja: “Orra!”
E surge o homenzinho das trevas, já destapando a garrafa de graspa e dizendo:
“Ció, sioro, te me gano ciamato a io?” – ou seja: “Então, senhor, tu me chamou?”
“Porco can!”, diz o gringo. Ou seja: “Felaputa!”
“Esattamente”, responde o outro. “Em que te posso ajudar?”
E assim terminamos este capítulo, crianças. A continuação vem na próxima semana.
Paulo Damin é escritor, professor e tradutor em Caxias do Sul.
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