Tem me assustado o desconhecimento da sociedade quanto à repercussão trabalhista fixada pela Lei n° 11.340/2006, a popular Lei Maria da Penha.
Pois é, um dos reflexos mais fortes no Direito do Trabalho está no artigo 9°, inciso II, que garante a “manutenção do vínculo trabalhista, quando necessário o afastamento do local de trabalho, por até seis meses”.
Pode parecer um direito adormecido, uma vez que poucos o conhecem, apesar de a Lei Maria da Penha estar em vigência há quase vinte anos. No entanto, cabe-nos levar ao conhecimento da sociedade esses aspectos que podem favorecer a vítima a sair do contexto familiar tóxico.
Para conquistar essa garantia, a vítima deve registrar seu Boletim de Ocorrência e já requisitar à autoridade policial o pedido de usufruir desse Direito Trabalhista, e, caso isso não aconteça no momento do registro, pode procurar o Ministério Público ou a Defensoria Pública para relatar essa necessidade. Contudo, isso não é algo automático, pois dependerá de uma decisão judicial ou de uma notificação do Ministério do Trabalho.
Da mesma forma, tranquilizo os empregadores, uma vez que não é necessário que acompanhem a vida particular de sua funcionária, já que a ‘estabilidade’ passará a ser obrigatória após a formal notificação da empresa. Ou seja, sem o Poder Judiciário ou o Ministério Público comunicarem o direito da ‘estabilidade’ da empregada, a demissão é totalmente lícita e, portanto, não terá qualquer consequência jurídica ou multa ao empregador.
Óbvio que agora muitos estão se questionando: não há notificação legal do empregador, mas existem mulheres que têm as agressões notórias e visíveis pela empresa. E, nesses casos, há alguma responsabilidade? A resposta é NÃO.
Conforme expôs o Tribunal Regional da Quarta Região, muitas mulheres enfrentam problemas de ordem pessoal em decorrência da relação com seus companheiros, mas a inexistência de notificação pelo Poder Judiciário ou pelo Ministério Público afasta qualquer ideia de dispensa por discriminação, ou da obrigatoriedade de garantir tal ‘estabilidade’, já que muitas vítimas enfrentarão essa situação para o resto da vida, e não há como o empregador acompanhar essa decisão tão particular da funcionária.
Podem parecer, para a maior parte da sociedade, insignificantes essas duas linhas do inciso II do artigo 9° da Lei da Maria da Penha, mas, verdade seja dita, são de enorme valia para aquelas vítimas que necessitam das medidas para assegurar um mínimo de dignidade. É uma segurança jurídica a manutenção de vínculo empregatício.
A cada dia que passa, torna-se mais visível constatarmos condutas ou posturas abusivas, mas ainda há uma enorme parcela da sociedade que suporta essa situação de violência. A legislação brasileira tem o intuito de fazer com que as vítimas não se calem e denunciem as agressões, pois não há condições de uma pessoa ter uma vida digna e tranquila vivendo num ambiente totalmente tóxico física e psicologicamente.
Nesse sentido, a garantia do emprego da trabalhadora, ainda que sem salário, mas que no retorno continuará tendo aquele vínculo, por si só, já é uma grande vitória, é um passo adiante para uma legislação que inclua e não exclua os mais necessitados. O trabalho não representa apenas uma forma de buscarmos o sustento, mas, sim, um meio de inclusão social, porque o local de trabalho é onde se pode fazer parte de uma coletividade, e não seria justo deixar as vítimas de violência doméstica à margem disso. Não é apenas um socorro, mas um meio de efetivação de direitos.
Ciane Meneguzzi Pistorello é advogada, com pós-graduação em Direito Previdenciário e Direito do Trabalho e está concluindo pós-graduação em Direito Digital. É coordenadora e professora de pós-graduação em Direito Previdenciário pela FSG. Presta consultoria para empresas no ramo do direito do trabalho e direito digital.
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