SECRETUM é uma obra de Petrarca, começada em 1347 e concluída em 1354, em Milão... Petrarca a escreveu em latim, uma das dez obras que produziu nessa língua erudita, usada por todos os intelectuais da época.
Em 1379, cinco anos depois da morte de Petrarca, o monge florentino Tebaldo Della Casa conseguiu entrar no ‘escritório’ do poeta. Fez a transcrição completa do manuscrito. Essa cópia chegou até nós. Dela tenho uma edição bilíngue, em latim e italiano, publicada pela editora Mursia, de Milão, em 1992. O título em italiano ficou sendo IL MIO SEGRETO.
Enrico Fenzi, que cuidou da edição, fez o seguinte sumário:
O Secretum é ao menos duas coisas junto:
- É o documento da fase mais difícil da vida de Petrarca, marcada pela ruptura das relações de dependência da família Colonna; do impacto terrível da grande peste de 1348, que causou a morte de Laura e muitos de seus amigos mais caros, mais a dolorosa decisão de abandonar Vaucluse para sempre, para buscar na Itália um novo espaço tanto material como moral.
- É também o resultado de uma operação intelectual e literária, empenhada em transcrever, na antessala da velhice, a sua experiência de homem e de escritor, aí incluídas as incertezas, as paixões, a precariedade da vida, dentro das coordenadas de uma biografia ideal de estampa agostiniana (mas sempre aquém da marca radical de uma “conversão”) que a resgate e a torne exemplar.
Obra importantíssima, atravessada por uma fina rede de alusões a outras obras suas, Secretum é uma espécie de Suma do universo petrarquiano. E também a reafirmação de uma irredutível e obstinada verdade pessoal, sempre capaz de redescobrir um sentido na vida e nos seus conteúdos.
Nela, Petrarca constrói um diálogo dele com Santo Agostinho, que lhe foi apresentado pela Verdade, uma linda mulher vinda do paraíso. O diálogo é descontraído, mas cheio de filosofia. Vai aqui a conversa inicial, no primeiro dos três livros da obra.
Agostinho - Que fazes, homenzinho? que sonhas? que esperas? te esqueceste completamente das tuas misérias? Ou te esqueceste que és mortal?
Francisco – Lembro sim, e nunca sem sentir horror quando esse pensamento me vem à cabeça.
Agostinho – Oxalá te lembrasses de fato, como dizes, e te preocupasses contigo! Assim pouparias muito do meu trabalho, uma vez que é absolutamente verdadeiro que não existe nada mais eficaz do que a consciência das próprias misérias e a assídua meditação sobre a morte para desprezar as tentações desta vida e manter o ânimo em meio às muitas procelas deste mundo; e isso não de leve, deslizando na superfície, mas penetrando até a medula dos ossos. Mas receio muito que nesse assunto, como já vi em muitos, te enganas a ti mesmo.
Francisco – De que modo, por favor? Não entendo muito claro o que dizes.
Agostinho – Sim, de todas vossas condições, ó mortais, nenhuma me surpreende tanto, nenhuma me repugna mais do que essa indulgência intencional com vossas misérias, fingindo não conhecer o perigo que ameaça, a ponto de excluir da consideração se ele se apresenta.
Está aí um segredo petrarquiano pouco desvendado...
José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado “O Quatrilho”, que foi adaptado ao teatro pelo grupo caxiense Miseri Coloni; ao cinema por Fábio Barreto, concorrendo ao Oscar e transformado em ópera.
pozenato@terra.com.br
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