Nota da Redação: Neste ano em que a Serra celebra o centenário de criação do personagem Nanetto Pipetta, o bem-humorado ícone simbólico e representativo do ambicioso, ingênuo e atrapalhado imigrante que chega na Serra Gaúcha em busca da cocanha (a fortuna), este Portal de notícias oferece um presente literário inestimável aos seus leitores.
Inspirado na invenção literária do frei Aquiles Bernardi, também conhecido como Frei Paulino (1891 - 1973), que fez sucesso nos anos de 1924 e 1925 nas páginas do jornal “Staffetta Riograndense” (“Correio Riograndense”), o escritor e professor caxiense Paulo Damin, cronista colaborador deste Portal, decidiu criar o personagem Nanico Pipetta, supostamente (nem ele sabe ao certo) aparentado do afamado Nanetto, e narrar em capítulos (da mesma forma como foi contada a saga de Nanetto há um século, nas páginas impressas do jornal) as desventuras de seu personagem.
A lógica aqui, porém, é inversa à que conduziu a narrativa original de Bernardi, com Nanico partindo de sua terra natal contemporânea (a Serra Gaúcha) rumo à Itália, em busca da cocanha, metendo-se em aventuras rocambolescas.
Saboreie a seguir o primeiro capítulo, dando início à narrativa da vida e história de Nanico Pipetta, que será desvelada neste espaço às sextas-feiras:
Estátua do personagem Nanetto Pipetta, inspirada na imagem do ator Pedro Parenti (1951 - 2000), recebe os visitantes nos Pavilhões da Festa da Uva, em Caxias do Sul
(Foto: Silvana Toazza)
Chamavam ele de Nanico – Pipetta, Polpetta, Pipoca… Mas sempre Nanico. Muito chique o rapaz: olhos de azeitona, nariz de rolha de espumante. Diz que era descendente do famoso Nanetto Pipetta, aquele que nasceu na Itália e veio buscar a Cocanha no Brasil. Só que a história do Nanico é ao contrário: nasceu no Brasil e foi pra Itália buscar a Cocanha.
Foi assim:
Num belo dia de cerração, o Nanico saiu a pé, lã de Nossa Senhora das Grotas, interior do glorioso município de Caxias do Sul. Tinha vendido a velha Tobatta pra comprar a passagem de avião e agora vinha leve, só com a roupa do corpo. Afinal de contas, no País da Cocanha ele não ia precisar de dinheiro nem nada. Quando quisesse alguma coisa, bastaria ir na loja pegar.
Chegou no centro de Caxias era noite, a cidade vazia. Parou na praça pra respirar. Então veio um homem e sentou bem do lado dele:
– E aí, gurizão, buscando alguma coisa?
– A Cocanha – disse o Nanico.
– Bá! – fez o homem – Hoje eu tô sem. Mas posso te ajudar com outras paradas…
O Nanico achou o cara simpático. Resolveu perguntar:
– Sabe como se chega no aeroporto? Tô indo pra Itália!
– Ah, l’Itália… Que bonitinho – suspirou o homem.
E ofereceu carona pro Nanico.
Perto do aeroporto, o cara estacionou numa rua escura.
– Então, gurizão, em troca dessa carona quero que tu me faça um favorzinho… – disse o homem, pousando a mão peluda no ombro do Nanico – Aqui tá difícil encontrar os documentos antigos da minha família pra conseguir a cidadania italiana. Já que tu tá indo praqueles lados, tu poderia passar no cartório de Pedavena por mim?
– Tá me estranhando? – disse o Nanico – É claro que eu posso!
Emocionado, o homem deixou o Nanico no aeroporto e declamou uns versos de Lorenzo de’ Medici:
Como é bela a mocidade
que, porém, logo escapa!
Quem quer ser feliz, que seja:
do amanhã não há certeza.
– Então vai, Nanico – recomendou o desconhecido – Pega esse avião pra São Paulo. E aguenta firme aquelas doze horas esperando a conexão pra Milão!
(Continua...)
Paulo Damin é escritor, professor e tradutor em Caxias do Sul.
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