Numa entrevista que dei pouco mais de trinta anos atrás, e que foi publicada pelo Instituto Estadual do Livro, na série Autores Gaúchos, fiz esta afirmação: “Para mim, Rubem Fonseca é o maior escritor brasileiro atual. Ele é o que realmente está com uma linguagem moderna”.
Em minhas aulas sobre literatura brasileira – invoco os que foram meus alunos como testemunhas –, também sempre dei destaque à sua obra. E já que estamos em tempos de memória, aí vão mais algumas de sala de aula.
Costumo traçar uma trajetória do romance e do conto brasileiro nas seguintes etapas: na primeira, com José de Alencar e o romantismo, o escritor tentava pôr no papel a música da ópera, com adjetivos retumbantes e coloridos; na segunda, com Machado de Assis, a referência passou a ser a linguagem jornalística: Machado defendeu isso diretamente num artigo intitulado “O jornal e o livro”; na terceira, na virada para o século vinte, a linguagem telegráfica, de frases curtas e sem adjetivos foi propagandeada como moderna, mas não deixou nenhuma grande obra, tirando alguns rascunhos de Oswald de Andrade.
A quarta etapa, dos anos trinta em diante, foi marcada pela linguagem narrativa do cinema: Erico Verissimo foi quem tomou esse rumo, inspirado pelos escritores norte-americanos que ele traduziu para a Editora Globo, sendo xingado pelo crítico Álvaro Lins por causa disso. A seguir veio um período de saudosismo, com a proposta de um romance regionalista, com sabor da linguagem oral do povo, um pouco inspirada nas novelas de rádio, então em moda, da qual Guimarães Rosa foi o chefe de batalhão.
E então entra em cena a televisão. A narrativa da televisão não é nem redonda como a da ópera, nem plana como a do jornal, nem de grandes cenários como a do cinema, nem puramente verbal como a do rádio. É uma narrativa com o rosto das personagens em primeiro plano e com mil detalhes que as câmeras vão bisbilhotando. É nesse contexto que Rubem Fonseca se torna o novo mestre da ficção. Um exemplo, para começar, pode ser o conto “Lúcia McCartney”, todo ele narrado na forma de roteiro para tevê.
Além da proposta de uma nova linguagem narrativa, Rubem Fonseca captou também um novo momento da cultura brasileira: o da migração em massa das populações rurais para as cidades. Leiam os contos e romances de Rubem Fonseca e verão que os maiores dramas nascem do conflito entre valores rurais em decadência e valores urbanos ainda não dominados. Como primeiro exercício pode ser lido o conto “Relato de ocorrência”, em que uma vaca marrom é atropelada por um ônibus numa ponte entre o Rio de Janeiro e São Paulo.
A herança que Rubem Fonseca nos deixou é de não esquecer. Por isso, já tirei da estante as obras que tenho, para matar saudades: “A Grande Arte”, “O Selvagem da Ópera” (que conta como Carlos Gomes compôs a ópera “O Guarani”), “Agosto”, “Feliz Ano Novo” e companhia.
Continuo com a mesma opinião de três décadas atrás. Rubem Fonseca, mesmo tendo saído do meio de nós, é o melhor escritor de nosso tempo.
José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado "O Quatrilho", que foi adaptado ao cinema, concorrendo ao Oscar.
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