Amanhece o dia, graças aos aposentados que continuam levantando às cinco da manhã, inconformados com o fato de que não precisam mais ir para a firma.
O sol aparece preguicento, vê aquelas boinas de pano despontando nas basculantes das cozinhas e diz:
– Ai ai, lá vamos nós…
Todo bairro interior tem pelo menos metade da população aposentada. A outra fatia do gráfico se divide entre os que dariam tudo para se aposentar. Entre eles, há pelo menos uma cabeleireira, um mecânico e um bodegueiro.
A cabeleireira foi namorada do mecânico, na quinta série. O bodegueiro é tio-irmão da cunhada do mecânico, que por sua vez é vizinha de segundo grau da cabeleireira.
No portão de garagem marrom do salão de beleza, há uma faixa de plástico com o desenho de uma silhueta feminina e uma tesoura. Em preto e rosa, o nome da dona (Salete, Solange ou Sueli), seguido dos termos Cabeleira Unissex. Claro que ela também é manicure. Ser costureira é opcional.
Na bodega, há uma propaganda de cerveja com o nome do bodegueiro em aumentativo ou diminutivo. Se tiver sobrenome italiano, pode também. Os habitués chegam cedo para apostar no bicho e passam a tarde toda jogando carta. Quando escurece, chupam balas de menta e vão correndo pedir desculpas às esposas.
Na fachada da mecânica, não há propaganda alguma. Sabe-se que é uma oficina pela montoeira de carros desmontados que ocupam os dois lados da rua e mais a esquina. Não confundir, porém, com outras esquinas onde há sempre um automóvel estacionado: os pneus vazios, uma roda faltando, a grama virando macega embaixo deles. A oficina de verdade é um ponto de encontro para tomar chimarrão. E o mecânico, no fundo, é também borracheiro, chapeador, lava carros e vende pinhão, mel, lenha e tonéis serrados ao meio, mais conhecidos no bairro como churrasqueiras.
Ah, as esquinas do bairro interior… A gurizada se amontoa ao redor de uma moto, comentando sobre uma “loca” que um deles viu no posto de gasolina, sexta passada.
“Loca” é como o pessoal do bairro chama as mulheres desconhecidas:
– Bá, e aquela loca lá?
– Bá, pior…
“Pior” é como o pessoal do bairro se refere a algo bom que aconteceu.
Exemplos de bairro interior: o Planalto, em Caxias; o Partenon, em Porto Alegre; o Uruguai, na América do Sul.
Paulo Damin é escritor e tradutor em Caxias do Sul.
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