Por Eulália Isabel Coelho
Em uma Semana Santa perdida no tempo, fomos levados ao cinema pela escola. Vimos um filme sobre a vida de Jesus. Era meio tosco, uma produção barata, mas ainda assim, emocionante. A figura do Cristo sendo tentado pelo demônio no deserto me comoveu profundamente, enquanto outras crianças riam dos chifres e rabo mal-ajambrados do personagem.
Quando tivemos de interpretar trechos bíblicos para uma plateia de colegas e professores, fui escolhida em um grupo de meninos para ser Jesus na Parábola do Semeador. Eles preferiram o papel árvores com suas fantasias de folhas de plástico. Já eu passei vergonha por minha péssima atuação.
Passeando por essas memórias, relembro também as obras cinematográficas que me tocaram o coração àquele tempo e ainda hoje, como a série Jesus de Nazaré (1977), de Franco Zeffirelli, e a produção dirigida por George Stevens, intitulada A Maior História de Todos os Tempos (1965), ambos vistos na TV.
De acordo com sites especializados, existem mais de 500 produções sobre eventos da Bíblia – Os Dez Mandamentos (1956) e Noé (2014) são exemplos – e muitas delas narram a vida de Jesus Cristo sob diversas angulações, das mais tradicionais às mais polêmicas. Escolhi alguns filmes bíblicos para relembrarmos nessa Páscoa.
BEN-HUR (1959), de William Wyler
Charlon Heston na famosa corrida de bigas
Com quase quatro horas de duração, o filme, vencedor de onze Oscar, conta a história do mercador judeu Judah Ben-Hur (Charlton Heston), que se torna escravo por ordem de Messala (Stephen Boyd), seu amigo de infância. A trama tem como pano de fundo a crucificação de Jesus. Em dado momento, Ben-Hur o encontra durante a Via Crucis.
A obra traz uma das sequências mais famosas do cinema: a corrida de bigas com nove minutos de duração.
Em 2016, o diretor Timur Bekmambetov fez uma refilmagem da obra com o ator brasileiro Rodrigo Santoro no papel de Cristo. O filme não foi bem de bilheteria, causando prejuízo de US$ 47,8 para a MGM.
O EVANGELHO SEGUNDO SÃO MATEUS (1964), de Pier Paolo Pasolini
Reverência do cineasta ao texto bíblico original
Pasolini colocou no filme todas as falas do evangelho de São Mateus, sem ocultar ou acrescentar material. Seu trabalho é de reverência ao texto original. Dedicado ao Papa João XXIII, o filme recebeu o Prêmio Especial do Júri do Festival de Veneza.
O cineasta, que era ateu, tinha admiração pela figura de Jesus e a transpôs para o filme com aberta generosidade. A santidade do personagem é mostrada em jogo de luz e sombra fascinantes na versão original em preto e branco. Há uma versão da obra colorizada digitalmente.
A MAIOR HISTÓRIA DE TODOS OS TEMPOS (1965), de George Stevens
Max von Sydow é Jesus em mega clássico
É um super clássico do cinema bíblico que fez muito sucesso nos anos 1960, com cinco indicações ao Oscar. O filme narra a história de Jesus de Nazaré (Max von Sydow) desde seu nascimento e se concentra nos episódios mais conhecidos da história bíblica.
A fuga para o Egito e o encontro com João Batista (Charlton Heston) são destaque, assim como a encenação da Última Ceia, a traição de Judas (David McCallum), a crucificação e a ressurreição.
JESUS CRISTO SUPER STAR (1973), de Norman Jewison
Musical: nova roupagem à história bíblica
Ópera teatral que inovou completamente a narrativa fílmica sobre Jesus. A obra se centra em seus últimos sete dias do ponto de vista de Judas Iscariotes, seu atormentado traidor. O filme causou controvérsias por sua aura hippie e pela irreverência criativa.
Com rock progressivo, dança e cantoria, a obra trouxe para o plano terreno a vida de Jesus e dos demais personagens que o acompanhavam em sua trajetória. Um filme para mentes abertas afeitas ao inusitado.
O MESSIAS (1976), de Roberto Rosselini
O diretor italiano, um dos mestres do neorrealismo, coloca na tela sua visão sobre a vida e a obra de Jesus com originalidade e sem alterar os textos bíblicos nos quais se baseia, em especial os Evangelhos de João e Mateus. Filmado na Tunísia, é a última obra do cineasta.
JESUS DE NAZARÉ (1977), de Franco Zeffirelli
Robert Powell é o protagonista da série
Uma das minisséries mais assistidas e reprisadas nas redes de televisão, Jesus de Nazaré mistura os quatro Evangelhos da Bíblia com elenco de primeira grandeza, Robert Powell, Anne Bancroft, Claudia Cardinale, Christofher Plummer e Anthony Quinn, entre outros.
O épico traz um retrato da vida e morte de Jesus e seus milagres. A minissérie culmina com a crucificação e ressurreição e é tida como uma das obras mais impressionantes sobre a vida de Cristo.
A trilha sonora foi composta por Maurice Jarré.
A ÚLTIMA TENTAÇÃO DE CRISTO (1988), de Martin Scorsese
Willem Dafoe encarna o Cristo de Scorsese
É um filme absolutamente não convencional sobre a vida de Jesus Cristo, que não agrada ao espectador mais ligado à história oficial. Na narrativa, Jesus é basicamente humano, com dilemas, sonhos e fraquezas.
A obra é inspirada no romance do grego Nikos Kazantzakis, que, à época de seu lançamento, enfureceu fundamentalistas cristãos.
O longa traz Willem Dafoe no papel de Jesus e David Bowie como Pôncio Pilatos. Teve uma indicação ao Oscar e uma ao Globo de Ouro de 1989.
A PAIXÃO DE CRISTO (2004), de Mel Gibson
Jim Caviezel em cena da Santa Ceia
O filme, com duas indicações ao Oscar, narra as últimas 12 horas da vida de Cristo com grande apelo à violência sofrida por Ele.
A obra causa mal-estar por suas cenas fortes, sem concessões à brutalidade, o que não a afastou do sucesso comercial: é a maior bilheteria entre os filmes bíblicos.
Mel Gibson se baseou nos Evangelhos do Novo Testamento e também em fontes não-bíblicas para recontar a Paixão, da traição à ressurreição, com flashbacks da vida de Jesus, interpretado por Jim Caviezel.
Eulália Isabel Coelho é jornalista, mestre em Comunicação e Semiótica, especialista em cinema e escritora
bibacoelho10@gmail.com
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