Caxias do Sul 22/11/2024

'REBECCA' nem tão inesquecível assim

Remake de obra hitchcockiana peca pelo excesso de didatismo, mas deslumbra por sua beleza plástica
Produzido por Eulália Isabel Coelho, 25/10/2020 às 07:28:04
Foto: LUIZ CARLOS ERBES

Por Eulália Isabel Coelho

É preciso uma certa dose de coragem para refilmar uma obra de Alfred Hitchcock, ainda mais a que ganhou o único Oscar da carreira do cineasta, o de Melhor Filme em 1940. Ao que parece, o diretor Ben Wheatley (O Vestido Maldito, 2018) resolveu dar a cara a tapa com seu remake de Rebecca – A Mulher Inesquecível.

O plot é facilmente resumível. Trata-se da história de uma dama de companhia sonhadora vivida pela atriz Lily James (Cinderela, 2015) que casa com um viúvo da nobreza inglesa, interpretado por Armie Hammer (Me Chame Pelo Seu Nome, 2017), cuja mulher era a inesquecível do subtítulo. Na atual versão, o filme mantém o título original do romance de Daphne Du Maurier (1907-1989), no qual é baseado, trazendo apenas o nome da personagem.

Não há como desvencilhar-se da memória e dos mistérios em torno de Rebecca, que não aparece nem mesmo em fotografias ou pinturas, mas tem seu anagrama em vários objetos, papéis de carta e envelopes. Onipresente em sua aura aparentemente sublime, ela desautoriza a segunda esposa a comportar-se como tal. A nova Srª. de Winter se sente fragilizada diante da figura mítica de Rebecca.

A protagonista e narradora da história não tem nome e essa é uma jogada astuciosa da autora do livro. Se uma das mulheres tem seu nome repetido à exaustão, como se invocada pelos que a rodeavam, a outra é ninguém, à medida que nomear algo ou alguém é trazê-lo à existência. É torná-lo vivo. Assim, toda vez que se alude ao nome Rebecca, se apaga um pouco mais a segunda esposa inominada, cujo sobrenome também pertenceu a outra.

O marido, Maxim de Winter, é sujeito ocupado que deixa a mulher nas mãos da governanta Srª. Danvers, papel da sempre marcante Kristin Scott Thomas. Danvers, que era devotada à Rebecca, é a vilã perfeita da trama, contraponto ao mundo idílico do casal. O trio vive em Manderley, propriedade passada de pai para filho por várias gerações, um lugar suntuosíssimo e enigmático.

Lily James faz a protagonista ingênua e sonhadora

A excelente fotografia, o impecável figurino e a ambientação de época nos distraem de algumas falhas na narrativa que tornam o filme superficial. Apesar de algum suspense, que deveria ser o motor do enredo, há um início excessivamente longo até o primeiro ponto de virada. Essas sobras são enxugadas quando não deveriam, na parte mais interessante, do meio para o final. Na verdade, o enxugamento aqui significa pressa.

No início havia o clima de romance e felicidade, um mundo solar e propício a pequenos arrebatamentos, trabalhado longamente, como se a vida pudesse ser para sempre Monte Carlo. Depois, as coisas tomam novas dimensões em Manderley para, no ato final, crescer em um ritmo que atropela a narrativa.

Será possível que a lembrança fantasmática de Rebecca arruíne o relacionamento do Sr. e da nova Srª de Winter? E o marido, que segredos esconde? Mrs. Danvers é afinal confiável? E Rebecca é mesmo imagem de perfeição? Essas e outras perguntas são respondidas didaticamente. Mas o próprio espectador poderia chegar a elas apenas pela insinuação das mesmas, o que acrescentaria muito à fruição da obra.

Romance em Monte Carlo e pedido de casamento

Kristin Scott Thomas é a temível Srª. Danvers

Ao não deixar espaço para o subtexto, o filme perde o brilho e reduz seu potencial. O que realmente se sobressai é o esplendor visual, tanto nas tomadas de Monte Carlo como nas da imponente Manderley.

Rebecca, por não apostar na profundidade psicológica dos personagens, torna-se apenas um produto bem embalado, como um presente. Ou pintado à mão, minuciosamente. Mas o que está dentro da embalagem ou o que tinge a tela não condiz com o esperado.

Uma obra para românticos que também apreciam suspense e mistério em pequenas doses.

O filme, lançado nessa semana, está disponível na Netflix.

Assista ao trailer de Rebecca AQUI

Deslumbramento e grandiosidade em Manderley

FICHA TÉCNICA

Rebecca

Inglaterra, 2020


Direção: Ben Wheatley
Roteiro: Jane Goldman, Joe Shrapnel, Anna Waterhouse
Elenco: Lily James, Armie Hammer, Kristin Scott Thomas, Keeley Hawes, Ann Dowd, Sam Riley, Tom Goodman-Hill, Mark Lewis Jones, John Hollingworth, Bill Paterson, Ben Crompton, Jane Lapotaire, Ashleigh Reynolds
Duração: 121 min

DE OLHO NO SET

A atriz Ann Dowd, a Tia Lydia de The Handmaid's Tales faz uma participação especial como a insuportável Srª Van Hopper.

Laurence Olivier e Joan Fontaine formaram o casal do filme original de muito suspense e terror psicológico.

O filme de Hitchcock recebeu o Oscar de Melhor Fotografia

Rebecca – A Mulher Inesquecível foi o primeiro filme de Alfred Hitchcock em Hollywood e lhe rendeu um contrato de sete anos com o produtor David O. Selznick.

A obra foi refilmada em 1962, 1978 e 1997, para a televisão e com o mesmo título do filme original.

Créditos das fotos: Divulgação Netflix

Eulália Isabel Coelho é jornalista, professora de cinema e escritora

mail bibacoelho10@gmail.com

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