POR EULÁLIA ISABEL COELHO
Quando nos deparamos com o personagem que desce ao porão, clica no interruptor e a luz não acende ou fica tremulando, sabemos que algo ruim está por acontecer. Ruídos estranhos em casas mal iluminadas advertem para algum possível contato com forças sobrenaturais.
Mas não são só os filmes de terror que se utilizam desses “avisos”. O detetive aposentado sondado para voltar à ativa diz que não, de jeito nenhum. Na cena seguinte, já está se inteirando do caso a ser desvendado.
O protagonista ou antagonista em fuga se joga do alto de um prédio e cai... em uma lixeira. As rajadas de metralhadora que nunca atingem o vilão e a vítima que sempre se esconde em um armário, são alguns dos inúmeros clichês cinematográficos.
Derivado do francês, o termo clichê refere-se a uma ideia muito batida, a algo que se torna lugar-comum. “É uma imagem cuja forma se repete e se torna reconhecível”, diz a estudiosa de cinema Leonor Areal. O clichê atua sobre o consciente e o inconsciente e tem a ver com a liberação de emoções do espectador.
É uma construção de sentido que será percebida facilmente e que oferece uma certa segurança (“ah, agora vai aparecer o fantasma” e... bingo!). O clichê carrega em si uma simbologia que nos sintoniza com os acontecimentos na tela. “O cinema provoca a projeção do sujeito naquilo que vê”, afirma a psicanalista Julia Kristeva.
O clichê é uma figura de estilo que define, alerta, impulsiona e nos faz reconhecer certas situações e sujeitos. Cabe nele o arquétipo junguiano do inconsciente coletivo, todos o compreendem de modo universal.
Quando as luzes se apagam
Vamos a alguns CLICHÊS?
PSICOPATA/SERIAL KILLER estereotipado - É recorrente que seja cruel ao extremo, que tenha traços obsessivos e use métodos de tortura ou tenha rituais para matar. Guarda suvenires das vítimas, se esconde em lugares insalubres ou é bem-sucedido, culto e engana a todos.
Muitos se revelam traumatizados e o transtorno os leva a matar não apenas por prazer sádico. Será? Hannibal Lecter, no cinema ou na série, é um dos mais requintados em seus procedimentos. A personificação da psicopatia pode ser vista em “Atração Fatal” (1987), “Louca obsessão” (1990), “Seven” (1995) e “Onde os fracos não têm vez” (2007), entre tantos.
BOMBA desarmada no último segundo - Geralmente por personagens policiais que decidem dar um jeito na situação. Embora o cronômetro nos mostre que é impossível, eles conseguem o feito.
Cortar um fio do aparato sem saber se vai impedir a explosão também vale. “Máquina Mortífera”, lembram? O personagem de Mel Gibson fica indeciso entre as cores dos fios a cortar.
EXPLOSÃO? É só um foguinho, e daí? - Clichê em que o personagem consegue fugir segundos antes de uma explosão e, claro, sai ileso. As franquias “Missão impossível” e “Mad Max” utilizam bastante esse recurso.
Não pode faltar em thrillers policiais, de ação e suspense. E está lá em “Desperado – A balada do pistoleiro” (1995), com Antonio Banderas e Selma Hayek.
"Desperado": é só um foguinho, não dá nada
VINGANÇA a qualquer custo – O protagonista leva uma vida tranquila com a família? Algo vai dar errado e ele partirá para a vingança. E mesmo que nunca tenha pego em uma arma, o fará de maneira brilhante.
A Trilogia da Vingança do coreano Park Chan Wook trata do tema em “Mr. Vingança” (2002), “Old Boy” (2003) e “Lady Vingança” (2005). A saga “Busca implacável” (1, 2 e 3), com Liam Neeson também utiliza esse clichê.
Vez ou outra mudam os motivos, como em “John Wick – De volta ao jogo” (2014), com Keanu Reeves. Nele, o clichê da perda se mantém, mas com fatores inesperados. E o que dizer de “Relatos selvagens” (2014)? Se ainda não viu, largue tudo e assista!
VILÃO não tão morto assim – O sujeito é metralhado, esfaqueado, cai de um viaduto, fica preso entre ferragens e, do nada, se restabelece e ataca o mocinho/mocinha distraído(a). Outro clichê é aquele em que é dado como morto no final do filme, mas algum tipo de pista nos avisa que ele está bem vivo. Esse clichê deixa em aberto a possibilidade de uma continuação.
VILÃO explica seu plano – Depois de muito jogo de gato e rato, o vilão enfim está com sua presa e, claro, precisa mostrar o quão inteligente e astucioso ele é. Nada melhor do que contar os detalhes do seu plano e ainda rir na cara do (a) mocinho(a).
APARIÇÕES/VULTOS, as fantasmagorias que amamos - Se o espectador vê antes do personagem, isso causa sensação de impotência, pois não há como avisá-lo. O ser sobrenatural pode surgir repentinamente e o susto é dobrado, personagem e espectador se encontram na mesma posição de medo.
Lorraine, te liga, não é só uma pintura!
Os vultos - alguém à espreita, um ladrão à frente de uma porta de vidro - são utilizados à exaustão. A presença maligna que corre pelo teto ou paredes e toda espécie de fantasmas são clichês habituais nos filmes de terror. A franquia “Sobrenatural” e “Invocação do Mal” (ambas com quatro filmes) trazem inúmeros exemplos.
MANIQUEÍSMO, sim senhor - O embate Bem e Mal, proveniente da cultura judaico-cristã, é um dos clichês mais recorrentes e se junta a alguns já citados. Essa dualidade geralmente traz personagens cujo arco dramático não alcança dimensões profundas.
É clichê de filmes de super-heróis e de outros gêneros, como ficção científica. “Guerra nas estrelas” em toda a sua longa saga é um bom exemplo.
“SOMOS OS MOCINHOS” - A expressão é das mais utilizadas nos filmes norte-americanos. Aqui, a divisão Bem e Mal é exposta por algum personagem para deixar claro que o espectador deve torcer por ele (s).
No filme apocalíptico “A estrada” (2009), com Vigo Mortensen, o filho do protagonista pergunta várias vezes ao pai: “Somos os mocinhos, não é?”. Em obras sobre guerra, espionagem e terrorismo, esse clichê reafirma a posição dos “heróis”.
“I PROMESS”, jura? - Clichê que chega a dar nos nervos. Em meio a situações de perigo, vem o sujeito e promete que nada de ruim vai acontecer, mas inevitavelmente acontece.
Ou a promessa é de que não vai esquecer o outro, que vai voltar para buscá-lo e não aparece. A expressão é muito utilizada em dramas, suspenses, ficção científica e até em comédias românticas.
NINGUÉM ACREDITA na personagem – Já percebeu isso, certo? É a assombração, o stalker (alguém que persegue o personagem), uma premonição, uma mensagem anônima, mas ninguém acredita e muitas vezes a vítima é dada como louca até que prove o contrário (se conseguir).
TIRO NO OMBRO de boas – Mesmo ferido, o personagem continua atirando, foge, dá um jeito de roubar gaze, medicamentos para a dor e muito mais. Retira a bala, faz o curativo e está pronto pra outra. E há o caso do nosso herói utilizar cola instantânea para fechar a ferida. É o que faz Paul Kersey (Bruce Willis) em “Desejo de matar” (2018).
E você, de quais clichês lembra? Conta pra gente!
MINHA CLAQUETE vai para “Relatos Selvagens” (2014), filme produzido por Pedro Almodóvar, dirigido por Damián Szifron, que ficou três anos em cartaz em São Paulo. Vingança é tema clichê, mas os enredos são super-originais em seis episódios independentes.
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Assista ao trailer de RELATOS SELVAGENS
DE OLHO NO SET
Anton Chigurh, interpretado por Javier Barden em “Onde os fracos não têm vez” (2007), foi eleito, em 2013, por uma equipe de psiquiatras belgas, como o psicopata mais convincente e realista do cinema.
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Para realizar o estudo, os médicos assistiram a 400 filmes com personagens psicopatas durante três anos.
Nas obras de Stephen King, milharal é um clichê notório. “Colheita maldita” (1984), “1922” (2017) e “Campo do medo” (2019) são bons exemplos.
Eulália Isabel Coelho é jornalista, professora de cinema e escritora
e-mail: bibacoelho10@gmail.com
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