Noventa por cento dos intelectuais serranos foram padres pelo menos uma vez na vida. Até pouco tempo atrás, entrar para um seminário era a única maneira de um filho de colonos estudar além da quarta série.
Uns usavam essa boa desculpa simplesmente para sair da roça. Outros gostaram tanto de estudar que acabaram virando professores, escritores, políticos. E, claro, alguns viraram padres de verdade.
Eu, como escritor caxiense, não fugi a essa regra. E nem precisei passar pelo seminário.
Faz dez anos. Uma amiga ia se casar, em Porto Alegre. Ela queria algo sagrado, mas sem o peso da religião. Queria algo sério, mas original. Então, ela olhou para a minha cara de colono e não teve dúvidas: me contratou para celebrar o matrimônio.
Era um sítio na zona sul, perto do Guaíba. Havia um amplo gramado, com uma figueira bíblica. Um púlpito de madeira nobre, praticamente um altar sacrificial. Um cenário propício: bastava eu atuar de acordo.
Peguei trechos do Jaime Bettega e do Jayme Paviani. Botei uma Martha Medeiros para dar um fechamento otimista. Passei um dia inteiro ensaiando o texto. Então, naquele fim de tarde azul, com uma fatiota sóbria e um sotaque digno da minha origem, abençoei o par de noivos com a melhor das intenções (afinal de contas, estavam me pagando).
Foi um sucesso. Recebi aplausos (ou eram para os noivos, não entendi bem). Depois, algumas pessoas quiseram se confessar comigo. Sentavam ao meu lado com uma garrafa de espumante e pediam conselhos amorosos. Até que minha namorada viu e me arrancou do papel com um beijo.
Um escândalo. Ligaram para o bispo. Postaram no twitter. “Padre farsante em casamento na zona sul”. Porto Alegre é tri careta. Só não fui linchado porque, bem na hora, apareceu o bolo com os noivos comestíveis em cima.
Dias atrás, fiquei sabendo que o casal se separou. Parece que o marido não seguiu algum desses mandamentos que, mesmo não sendo cristão, é de bom tom respeitar em um relacionamento.
De minha parte, nunca mais fui padre. Mas essa experiência é um dos destaques no meu currículo de intelectual caxiense.
Paulo Damin é escritor e tradutor em Caxias do Sul.
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