A pandemia da Covid-19 trouxe à tona um problema por muitas vezes negligenciado pelas empresas: a prevenção da saúde mental dos seus colaboradores. Hoje, essa pauta deve se constituir em um dos focos estratégicos das organizações por ser uma das principais causas de afastamento do trabalho e da baixa produtividade.
Trata-se de uma responsabilidade social, humanitária e “via de duas mãos”, uma vez que o colaborador ficará amparado, protegido e atendido e a empresa não estará exposta aos riscos de abstinências, processos trabalhistas, perda de talentos e de profissionais.
Nesse contexto pandêmico, a Síndrome de Burnout passou a ser enquadrada no rol de doenças ocupacionais em janeiro de 2022, após a sua inclusão na Classificação Internacional de Doenças (CID) da Organização Mundial da Saúde (OMS), sendo classificada como “estresse crônico de trabalho que não foi administrado com sucesso”. As suas principais causas são o excesso de trabalho, metas irreais e assédio moral, as quais podem causar exaustão mental e física.
É de responsabilidade do empregador oferecer um ambiente de trabalho saudável e medidas preventivas para evitar o adoecimento de seus colaboradores, seja na modalidade presencial ou na remota.
Segundo pesquisas, os casos de depressão, ansiedade e estresse aumentaram dramaticamente nesse período, assim como as demais fragilidades psíquicas. Dados da OMS constatam que a terceira maior causa de afastamento nas empresas são os transtornos psicológicos.
Mais de 300 milhões de pessoas sofrem com a depressão, fazendo da doença a principal causa de incapacidade laborativa no mundo. O custo estimado à economia global é de US$1 trilhão por ano em perda de produtividade.
Parte do impacto da turbulência mental gerada pela pandemia é mensurável. Em 2020, a concessão de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez decorrente de transtornos mentais e comportamentais bateu recordes. Foram mais de 576 mil afastamentos, uma alta de 26% em relação a 2019 (dados da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho). As principais causas foram a inadaptação ao home office, acúmulo de tarefas profissionais e domésticas, endividamento, incertezas sobre o futuro, ansiedade, depressão, pânico, separações e perdas de familiares.
A sensação de solidão e isolamento cresceu e se acumulou com frustrações e tristezas pré-existentes. Quem continuou o trabalho presencialmente teve de conviver com os temores e riscos em relação ao vírus e muitos ficaram abalados por isso.
O trabalho é um elemento importante para o bem-estar e a saúde mental, pois possibilita segurança financeira, identidade pessoal e social, o sentimento de estar ativo, produtivo, valorizado. É uma fonte de satisfação e realização. Por outro lado, pode ser uma fonte de tensões e de adoecimento, principalmente em culturas empresariais onde o nível de exigência e cobrança são muito elevados.
O maior desafio das lideranças e das áreas de RH é acolher os colaboradores, ajudando a administrar os conflitos e facilitando a implementação de novos modelos saudáveis de trabalho. A humanização, criar um ambiente de segurança e cuidados integrais são fundamentais. Oferecer um suporte psicológico aos funcionários é primordial, e essas ações devem buscar o equilíbrio entre necessidades biológicas, psicológicas, sociais e organizacionais.
A comunicação constante com a equipe é essencial, no sentido de manter as informações, minimizando fantasias que geram angústia. E, também, para que os colaboradores se sintam valorizados, reconhecidos e com o sentimento de pertencimento.
Estima-se que para cada US$ 1 investido em tratamento para os transtornos mais comuns, há um retorno de US$ 4 em melhora de saúde e de produtividade (OMS).
Os profissionais da saúde e de RH também são afetados de forma exponencial. Segundo pesquisa realizada pela consultoria Mercer Brasil, 64% das pessoas que atuam nessa seara estão com dificuldades para lidar com a ansiedade. Isso é um alerta para que as empresas possam “cuidar”, também, de quem cuida e para os profissionais dessas áreas buscarem ajuda para poder lidar com os seus sentimentos e emoções.
Esse tema é prioridade para a maioria das empresas, mas 71% ainda não possuem uma área para tratar da questão emocional dos colaboradores no Brasil, segundo pesquisa realizada pela startup Kenoby, em 2021.
Um dos focos atuais e pós-pandemia é, e será, a busca do equilíbrio, do autoconhecimento, do ressignificar, do real sentido da vida. A promoção da saúde mental e da qualidade de vida dos colaboradores deverá ser a meta para os próximos anos.
Empresas com planos de ações sólidas, nesse sentido, vão conseguir manter os melhores profissionais. Além disso, os colaboradores que cuidam da sua saúde mental são mais produtivos, engajados, e preparados para os desafios. É preciso falar, olhar e agir nessa prevenção, derrubando barreiras, tabus e preconceitos.
Uma solução concreta é a contratação de serviços de saúde mental para oferecer como benefício aos colaboradores. E o papel das lideranças é de estimular e divulgar esse serviço, desmistificando e normatizando esse assunto na empresa. O apreço à saúde mental das equipes caminha para se tornar uma grande vantagem competitiva.
Nas empresas que atuei nesse período, não tivemos nenhum caso de afastamento do trabalho por transtornos psicológicos. O trabalho realizado de prevenção e cuidado com a saúde mental dos colaboradores foi pontual e constante, e trouxe resultados concretos e paradigmáticos.
Alguns casos foram mais sérios, envolvendo crises de ansiedade, pânico e depressão. Através da terapia online e de um acompanhamento continuado, obtivemos melhoras significativas. Algumas pessoas perderam membros da família e o atendimento nesse momento de luto foi primordial para a elaboração e o alívio da dor e da ansiedade gerada. Outros tiveram problemas familiares, separações e o acolhimento e a busca de um ressignificar minimizou os traumas.
Ao longo desses dois anos, promovemos Talks abordando o assunto, trazendo sugestões para administrar da melhor forma o isolamento, os temores, as incertezas.
As lideranças dessas empresas estavam sendo preparadas antes da pandemia para o desenvolvimento de competências comportamentais, para serem líderes atuantes, estratégicos, com uma visão humanitária. Isso contribuiu para a manutenção da saúde mental deles e dos subordinados, uma vez que estavam mais aptos para administrar crises e mudanças. A conversa com os colaboradores foi mais constante, gerando uma integração nos grupos de trabalho e uma aproximação da hierarquia.
A soma desses fatores (a psicoterapia, as palestras esclarecedoras, a comunicação clara e transparente, os propósitos das empresas que valorizam o ser, o bem-estar e a qualidade de vida e a atuação das lideranças) promoveu a saúde, o acolhimento, o comprometimento.
Ao criar e atuar no Projeto Humanizar – Promovendo a Saúde Mental nas Organizações, obtive retornos extremamente gratificantes, pois houve, e há, benefícios para um grande número de pessoas, as quais, muitas delas, não buscariam essa ajuda por questões financeiras e tabus. As empresas envolvidas ganharam em produtividade, engajamento e se tornaram diferenciadas.
A pandemia acelerou esse processo tão necessário e prioritário e nos mostrou que, muitas vezes, não podemos mudar o que está acontecendo, mas podemos mudar a nossa atitude em relação às circunstâncias e situações. As pessoas estão olhando a existência sobre outra perspectiva, buscando um sentido, um propósito e o direito de desenhar a própria vida.
Ivana Werner é Psicóloga Clínica e Organizacional, Mestre em Gerontologia Biomédica
ivana.gapem@gmail.com
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