Caxias do Sul 22/10/2024

Primeiro dia de viagem no caminhão

Começam as desventuras do Padre Ângelo Donato, em sua saga entre Caxias e Tubarão, no ano de 1937
Produzido por José Clemente Pozenato, 15/08/2024 às 08:38:39
José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado “O Quatrilho”
Foto: Marcos Fernando Kirst

Continuando com a “reportagem” do Cônego Ângelo Donato, seguem os acontecimentos do primeiro dia da viagem de Caxias a Tubarão.

Depois de tudo combinado, os nove passageiros embarcaram na carroceria do caminhão e partiram às 5h30 da manhã do dia 7 de abril de 1937, uma quarta-feira. Tomaram o rumo de Galópolis, ao invés de Farroupilha (na época ainda Nova Vicenza), porque naquele dia havia uma corrida de automóvel de Porto Alegre a Lages, passando por Farroupilha e Antônio Prado. Pelas estradas da época, a corrida se estendia por 500 quilômetros e era promovida pelo Automóvel Club do Brasil. Começava a se firmar a indústria automobilística e, com ela, a disputa por maior visibilidade.

E havia, por questões de segurança, controle no trânsito, como registra o relato:

Se fôssemos por Nova Vicenza, nos impediriam de continuar a viagem, pelo menos até que tivessem passado os autos.

Perto da Capela de São Romédio, a primeira construída em Caxias, na saída para Galópolis, encontraram uma senhora indo a pé para a estação do trem. O chofer parou o caminhão e ela contou que tinha recebido um fonograma de Porto Alegre avisando que sua filha estava gravemente doente, por isso ia pegar o trem. Pediu se podia embarcar no caminhão e foi aceita, desembarcando depois em Sapucaia, onde começava a estrada rumo ao litoral norte.

O fonograma, que já ligava Caxias com algumas cidades, funcionava assim: o remetente ligava para a companhia telefônica e ditava uma mensagem, que era anotada, datilografada, envelopada e remetida ao destinatário, sendo entregue pelo estafeta. Consta que já havia telefone em Caxias desde 1895.

Quando o caminhão chegou à altura de Feliz, “no ponto em que se encontra a estrada para Nova Vicenza”, receberam ordem de parar, porque “os automóveis começavam a passar em grande velocidade”:

Fomos obrigados a ficar parados mais de duas horas, até passarem todos os automóveis. Naquele cruzamento havia muitas pessoas de origem alemã, que queriam ver a corrida. Finalmente às 10 horas pudemos partir, mas o caminhão, que era bastante velho e com muitos defeitos, parava de quando em quando, principalmente para trocar a água que a cada 10 minutos fervia.

Depois de muitos tropeços, chegaram à noite à vila de Gravataí, registrada com a grafia Gravatahy. Lá se hospedaram no Hotel Brasil, onde jantaram. Depois da janta, o Cônego Donato resolveu visitar o vigário daquela paróquia, o Cônego Pedro Wagner, que tinha sido colega dele no Seminário de Porto Alegre. Apenas por curiosidade: Cônego Pedro Wagner é também nome de rua em Gravataí, além de nome de praça em Cachoeirinha.

Depois de todos os transtornos da viagem de um dia inteiro, também o sono foi complicado para nosso herói e repórter:

Fui dormir perto das 11h30, mas quase não pude fechar os olhos. Quando apaguei a luz chegou uma nuvem de mosquitos sequiosos de meu sangue, e algumas mulheres perto de meu quarto faziam uma conversa animada, até uma hora depois da meia-noite.

O problema dos mosquitos na hora de dormir foi durante muito tempo motivo para o florescimento de uma indústria: a produção de mosquiteiros. No rol de artigos exigidos para ingresso no Seminário de Caxias, em 1950, o mosquiteiro era também obrigatório. Nas lojas de roupas era um artigo de venda garantida. Mesmo assim, não era fácil dormir com a zoada que faziam os mosquitos. Pior ainda sem o mosquiteiro, como no hotel de Gravataí, fazendo o sono se prolongar manhã adentro, como relatou o Cônego Donato...

José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado “O Quatrilho”, que foi adaptado ao teatro pelo grupo caxiense Miseri Coloni; ao cinema por Fábio Barreto, concorrendo ao Oscar e transformado em ópera.

mail pozenato@terra.com.br

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