Caxias do Sul 22/11/2024

Preservação ambiental também é questão de exemplo

Nós estamos aqui para satisfazer os interesses e desejos da indústria automobilística ou ela é que deve atender e satisfazer as nossas necessidades e anseios?
Produzido por José Carlos Secco, 27/01/2022 às 09:10:58
Foto: ARQUIVO PESSOAL

Neste início de ano, fui surpreendido pela notícia de que a Noruega alcançou um marco histórico e exemplar: dois terços dos veículos novos vendidos no país eram elétricos e a maioria deles, modelos híbridos para gasolina e eletricidade, e apenas 8% funcionavam exclusivamente com combustíveis convencionais como gasolina ou diesel.

Há anos a Noruega tem sido o líder mundial na diminuição do uso dos veículos tradicionais, graças aos benefícios governamentais que tornaram os modelos elétricos muito mais acessíveis e ofereceram vantagens extras, como permitir que os proprietários de carros elétricos não paguem algumas taxas de estacionamento e pedágios em estradas.

Segundo a Associação Norueguesa de Veículos Elétricos, em 2015, os carros elétricos representavam cerca de 20% das vendas de veículos novos. A velocidade dessa mudança e saída dos modelos com motor a combustão impressionou até os mais entusiastas dos modelos elétricos.

Ônibus elétricos já são parte do cenário urbano em países da Europa (Foto: Divulgação)

Essa rápida mudança está baseada, em parte, nas políticas governamentais que foram fazendo com que mais noruegueses acreditassem que os carros elétricos eram viáveis. As políticas do país se concentraram em incentivar as pessoas que estavam considerando comprar um carro novo a escolher um modelo elétrico.

É por esse exemplo, apoiado em políticas públicas objetivas, que lamento a falta de incentivo e urgência que ocorre no Brasil e em outros países da América Latina, onde entidades e governo desperdiçam a oportunidade de demonstrar o seu foco no atendimento das necessidades da sociedade e não apenas nos seus motivos e interesses e agem como se tivéssemos todo o tempo do mundo e como se o planeta ainda tivesse a sua antiga capacidade de rápida regeneração.

A decisão do governo federal que estendeu, por três meses, o prazo para a produção de automóveis e comerciais leves da legislação anterior à Proconve L7, em vigor desde 1º de janeiro, demonstra essa falta de prioridade. Em razão das dificuldades de abastecimento de semicondutores e de outros insumos para a produção de veículos, o Ibama concedeu às montadoras até 31 de março para finalizarem aquelas unidades inacabadas. O mesmo se aplica às importadoras que poderão importar automóveis mais poluentes e vendê-los no mercado nacional até o final de junho.

Mais uma vez, a indústria automobilística brasileira impõe suas regras e vontade. Ao longo dos últimos anos, as justificativas foram várias, sempre tentando adiar a entrada em vigor da fase L7 e da fase L8 (para veículos pesados), inclusive que a pandemia levou o mercado a consumir menos veículos e, então, o volume de poluentes jogados na atmosfera seria menor do que o previsto pelo Ibama para o período e, portanto, ainda não teríamos alcançado os índices de poluentes previstos e teríamos margem para "poluir" um pouco mais.

A questão não é de poluir mais ou menos. É de exemplo e princípio. Não se surpreendam se até dezembro deste ano, ou antes, recebermos a notícia de adiamento da entrada em vigor do Proconve L8 (Euro 6 para veículos comerciais), a próxima batalha da indústria automotiva brasileira.

Falar em inspeção veicular e necessária renovação de frota (dois outros argumentos da indústria para adiar a entrada das fases L7 e L8) também não justifica. A maneira mais eficaz de se promover uma renovação constante da frota circulante seria a oferta de veículos por preço que estimulasse e promovesse essa substituição, assim como foi feito na Noruega.

José Carlos Secco é jornalista especializado na indústria automotiva e de transportes, diretor da Secco Consultoria de Comunicação, de São Paulo, com atuação inclusive na Serra Gaúcha.

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