Sentada à sacada, banhada de sol, pernas esticadas em busca da natural vitamina D, lia uma das tantas obras que têm feito parte desse meu cotidiano de resguardo domiciliar. De repente, fui interrompida por minha filha, que, chorosa, terminara de ler “Ana Terra”, de Erico Verissimo. Ela estava comovida com a personagem. Sentira, visivelmente, as dores de Ana.
Minha adolescente-filha, em estado catártico, conversava comigo sobre a figura feminina, as tradições, a cultura, as guerras. Lembro de ter ofertado a ela esse capítulo de “O Tempo e o Vento” impelindo-a e encantando-a à leitura. Começara, de fato, mas abandonara. Fiz com que retomasse porque sabia que logo Ana invadiria minha Martina.
De Ana a Rodrigo. Apresentei-lhe mais um capítulo da trilogia – “Um Certo Capitão Rodrigo”. Meu desejo? Que ela devorasse, uma a uma, essas obras. Recordo saudosa das leituras que me constituíram e daquelas que continuam a me erigir.
Reflito constantemente sobre o poder da literatura em nossa vida. Embora universo artístico, os textos literários nos fazem entender quem somos, enquanto indivíduo, família, sociedade, mundo. Ana está presente em mim, assim como outras tantas personagens da literatura brasileira e estrangeira.
Tenho a convicção de que os livros “moram” na gente. Seguidamente, identifico-me com personagens. Algumas delas passam a fazer parte de mim. As mais recentes são as mães de Herdeiras do Mar (Mary Lynn Bracht), As Alegrias da Maternidade (Buchi Emecheta), O Sol mais Quente (Adrienne Benson), Terras das Mulheres (Charlotte Perkins Gilman)...
Sentimos alumbramento quando lemos um texto literário. Ler é uma forma de não estarmos sozinhos; é encantamento; é atividade introspectiva e, ao mesmo tempo, socializante. A literatura faz sentir!
Sempre fui uma leitora voraz! Inclusive, tinha “verba” mensal destinada à aquisição das preciosidades vendidas em prateleiras de livrarias. Aí... vieram os filhos... Não que eu tivesse abandonado a leitura, mas o texto mudou. Passeei com minhas crianças pelos contos de fadas, descendo de torres, fugindo de bruxas, indo a bailes reais; com elas também acompanhei Alice em seu País das Maravilhas; ajudamos Dorothy a voltar para casa; transitamos entre fábulas e poesias.
Mas é chegada a hora de Erico. Como sou grata! Porque agora minha parceira de leitura compartilha de textos clássicos comigo. Juntas, já lemos Machado. Lyggia também nos acompanhou diversas vezes. Edgar Alan Poe? Obviamente! Até Gabriel Garcia Márquez já esteve entre nós. São tantas nossas aventuras...
A Literatura é a arte que usa como matéria-prima as palavras. Ela nos conduz às infinitas possibilidades da linguagem verbal. Se no nosso cotidiano cada palavra é múltipla e preciosa, uma palavra em estado literário tem o poder de amplificar as nossas próprias possibilidades humanas.
Essa também é a função de qualquer linguagem artística. Nesses tempos que se apresentam, de “lives” e distanciamento social, acrescentemos arte em nossos dias em família. Precisamos dos livros.
Roberta Debaco Tomé é professora de língua portuguesa e literatura
e-mail: robertadebacotome@gmail.com
Da mesma autora, leia também Em nossos lares, professores