Acho que não surpreendo ninguém se contar que sou, ou era, um assíduo freguês dos sebos, que é como se chamam no Brasil as livrarias de livros usados. Hoje essa modalidade de compra tomou também o caminho do acesso virtual. Mas guardo ainda algumas preciosidades com a marca indelével de tempos idos.
Uma delas é o livro A Arte de fazer Versos (com iniciais maiúsculas apenas nos dois substantivos), da autoria de Osorio Duque Estrada (1870-1927), com prefácio de Alberto de Oliveira (1957-1937), duas figuras ilustres da poesia parnasiana. A edição que tenho em mãos é a terceira, do ano de 1923. A primeira saiu em 1912, numa prova de que fazer versos sob medida era uma arte com muitos seguidores, para esse livro ter uma edição a cada três anos. Possui 198 páginas e capa dura, publicado pela Livraria Francisco Alves, que tinha na época sucursais em São Paulo e em Belo Horizonte.
Na folha de rosto desse exemplar vindo do sebo está a assinatura de sua proprietária anterior, numa caligrafia muito bem desenhada, como se costumava usar antes da chegada da máquina de escrever. Dou apenas o seu prenome, bem poético: Nylza Silvia.
Joaquim Osório Duque Estrada é um nome que todos conhecemos, desde que entramos na escola. Ele é autor da letra do Hino Nacional, aprovada oficialmente em 1922, no centenário da Independência do Brasil, com música de Francisco Manuel da Silva, composta quase cem anos antes, em 1831, quando Dom Pedro I abdicou e passou a coroa para Dom Pedro II.
Na letra do Hino Nacional, Duque Estrada transgride, na composição das rimas, regras que ele mesmo estabelecera em seu manual, fazendo rimas com base somente no acento de palavras proparoxítonas: plácidas com fúlgidos, vívidos com límpidos, símbolo com flâmula... Os ares da poesia modernista já afetavam a estrutura rígida do parnasianismo.
Em seu A Arte de fazer Versos, Duque Estrada diz no Introito (aqui com a grafia atualizada!):
“A leitura de um livro admirável – L’art des Vers, de A. Dorchain – sugeriu-me o propósito de escrever para os neófitos da arte poética no Brasil um pequeno código de regras e preceitos [...]
O livro de Dorchain ocupa-se da métrica francesa, com a qual pouco tem que ver a nossa; mas na parte doutrinária e em alguns pontos comuns à arte poética em geral, pode servir-nos de precioso e interessante modelo. [...]
Tomando por guia o laureado autor de La Jeunesse Pensive, certo estou de que me encontro em boa companhia, e de que alguma coisa, ao menos, haverá de útil e proveitoso na farta matéria deste alinhavado compêndio.
Rio, Março, 1912.”
É realmente farta a matéria do compêndio, utilizável ainda hoje, ao menos para trazer ao presente os poetas do passado. Nas minhas traduções de Petrarca e de Dante – poetas que davam o máximo valor à sonoridade dos versos –, muitas sugestões obtive compulsando o manual de Osório Duque Estrada, de cujas iniciais, O.D.E., ele se vangloriava, por evocarem um tipo de poema lírico, vindo dos gregos.
Enfim, sempre se encontram preciosidades nos sebos.
José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado “O Quatrilho”, que foi adaptado ao teatro pelo grupo caxiense Miseri Coloni; ao cinema por Fábio Barreto, concorrendo ao Oscar e transformado em ópera.
pozenato@terra.com.br
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