Caxias do Sul 22/11/2024

Preciosidades de gaveta

Em defesa de uma norma gramatical brasileira, e não portuguesa
Produzido por José Clemente Pozenato, 20/07/2023 às 08:18:33
Foto: Marcos Fernando Kirst

Assim que foi criada a Universidade de Caxias do Sul (UCS), em 1967, fui contemplado com uma bolsa da Fundação Ford para participar, no Rio de Janeiro, do II Simpósio de Língua e Literatura Portuguesa.

Ele aconteceu de 15 a 27 de janeiro de 1968, em pleno verão carioca, na Universidade do Estado da Guanabara, que mudaria seu nome, em 1975, para UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, depois que a capital da República mudou-se para Brasília. (Nota: a partir do III Simpósio, esse evento foi transferido para o mês de julho, de clima mais ameno, a rogo dos participantes!).

Disciplinado como sempre, usei um Caderno de Anotações, que guardei na gaveta como uma preciosidade. Não tinha sido ainda inventado o lap-top... No caderno ficaram registrados os nomes de todos os conferencistas, uma síntese de cada palestra e, o que não podia faltar, um comentário pessoal do então jovem professor de Literatura de Língua Portuguesa...

A primeira conferência, no dia 15 de janeiro, segunda-feira, às nove horas da manhã, teve o título de Norma Gramatical Brasileira, e foi proferida por Dirce Côrtes Riedel, catedrática de Literatura Brasileira na UEG.

A ilustre docente, de atuação tão marcante que deu seu nome à Casa de Leitura Dirce Côrtes Riedel, vinculada à UERJ, teve a ousadia de propor que devia haver no Brasil uma norma gramatical “brasileira”, e não “portuguesa”. Em defesa da proposta usou estes argumentos:

1. Quem define a norma da língua é a sociedade que a utiliza.

2. Essa norma deve ser um instrumento de ação desde a escola.

3. Ela responde também a um sentimento estético, do qual há Modelos na literatura brasileira, em especial a moderna.

A norma brasileira deve contemplar Variantes sem cunho normativo, como os Regionalismos, o Vulgarismo e os Idioletos, definindo sua Ortografia e Pronúncia. Castro Alves, por exemplo, no poema Navio Negreiro, rima mães com vãs, que têm a pronúncia baiana de mãis com vãis.

A gramática brasileira deve admitir também regras como estas:

- Mudar a regência dos verbos de movimento, como em “chegar em”, no lugar de “chegar a”...

- Usar “lhe” como objeto direto em construções típicas.

- Usar o gerúndio adjetivo, como em “está cantando”, no lugar da variante portuguesa “está a cantar”.

- Usar o imperfeito do indicativo com função de futuro do pretérito.

- Admitir a colocação de pronomes átonos no início da oração: “me lembrei”, ao invés de “lembrei-me”.

- Usar “ter” por “haver” em determinadas construções: ao invés de “Há na Bíblia”, “Tem na Bíblia”.

Ao final da conferência de Dirce Côrtes Riedel, que se prolongou com inúmeros outros exemplos de mudança, o Prof. Antenor Nascentes, que coordenava a mesa, fez a seguinte intervenção:

“Eu acrescentaria aos pontos enumerados pala professora Dirce mais o seguinte: permitir o uso do pronome reto como objeto direto, no lugar do oblíquo. Dou em exemplo: se vejo uma moça bonita no jardim, não vou dizer vi-a no jardim. É mais brasileiro dizer vi ela no jardim”.

Essa intervenção teve, se me lembro bem, mais aplausos que a conferência!

José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado “O Quatrilho”, que foi adaptado ao teatro pelo grupo caxiense Miseri Coloni; ao cinema por Fábio Barreto, concorrendo ao Oscar e transformado em ópera.

mail pozenato@terra.com.br

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