Criado no século 19 por Henry Ford, o automóvel colocou o mundo sobre rodas e dá ainda hoje independência e conforto ao ser humano, contribui para o desenvolvimento tecnológico e também da economia. Além da sua concepção e de todos os benefícios, é uma fonte inesgotável de novas tecnologias, inovações e muito prazer e paixão.
Sua produção envolve os estilistas, que lhes dão formas, e os engenheiros, que lhes dão vida. Mas, antes de chegarem ao mercado, passam pelas mãos de profissionais essenciais para a sua evolução, aprovação e confiabilidade para os motoristas, proprietários ou simples usuários, os pilotos de testes.
Eles cuidam, ao longo de dois ou três anos, para que, como um bebê, sejam cuidadosamente gerados a fim de, ao nascer, tenham saúde e resistência para proporcionar alegria e transporte a quem deles precisar.
O piloto de testes é um personagem que vive em função do automóvel e a ele dá total dedicação. Em qualquer assunto que envolva veículos de passeio ou de carga, designers, engenheiros e até os montadores de veículos são lembrados de alguma forma, mas muito poucas pessoas sabem que os pilotos de testes são muito importantes para que tenham muita rigidez para resistir aos maus tratos e até uso indevido, ter longa vida e garantir os prazeres que os proprietários desejam e atender aos que dele dependem.
Ao me referir a pilotos de testes, presto minha homenagem a profissionais muito competentes, como Eduardo Burgos, os irmãos Valadão, José Fernando Campos, Wilson Sorbo, Domingo Tello, Joel de Oliveira, com os quais convivi, mas vou abordar um de quem muito dependi profissionalmente, nos cuidados aos carros da frota reservada a avaliações de jornalistas, atividade cumprida por todas as fábricas.
O engenheiro José Augusto Barbosa de Souza iniciou, no dia 20 de maio de 1958, o trabalho no departamento de desenhos de peças do jipe, Rural Willys, Picape F-75 e automóveis Renault Dauphine, Gordini e as esportivas berlinetas Willys-Interlagos, Maverick, Corcel, Del Rey e diversos produtos importados.
Em um de seus primeiros trabalhos, foi designado para participar do desenvolvimento do jipe com tração nas quatro rodas e suspensão da Rural e também do projeto da versão popular do Gordini, denominada Teimoso, por ter estabelecido recordes de resistência, apesar de sofrer um capotamento durante a prova.
O projeto mais importante de que participou foi o desenvolvimento do Corcel II, com programa de testes desenvolvido no estado de Mato Grosso, para fugir dos jornalistas caçadores de segredos industriais.
Engenheiro José Augusto Barbosa de Souza em ação, testando um novo modelo (Foto: Divulgação)
Naquela época, para manter o sigilo necessário, a Ford, ao assumir o patrimônio da Willys, montou uma operação de guerra, com oficina montada sob uma lona presa em um caminhão baú, como almoxarifado, e amarrada a galhos de uma árvore centenária, além de cobertura para proteger a equipe e veículos da chuva e do sol escaldante ao longo do programa.
Os testes desse novo carro foram estabelecidos e cumpridos durante dois anos, percorrendo aproximadamente um milhão de quilômetros, sempre realizados em períodos noturnos e em estradas sem pavimentação, para maltratar os protótipos e tirar deles as informações dos pontos a serem corrigidos ou modificados.
As equipes de ensaios eram trocadas mensalmente para não comprometer a vida familiar dos profissionais. Hospedados em um pequeno hotel, os pilotos e mecânicos não podiam revelar o que realizavam ou a empresa em que trabalhavam, nem o que faziam e a rodagem com os carros era cumprida somente à noite, para que o segredo não fosse revelado e as conversas com qualquer pessoa eram sempre sobre assuntos fora de suas atividades. A comunicação entre a base de testes e a sede da empresa era por radioamador, duas vezes por dia e a qualquer momento em caso de urgência, mas sempre com a adoção de códigos para preservar o necessário sigilo.
Por estar ligado há mais de 60 anos ao mundo automobilístico e acompanhar o trabalho de pilotos de testes, sempre os admirei pelo nível profissional que possuem e comportamento entusiasmante, mesmo tendo de conduzir um carro à noite, por estradas ásperas e exaustivas, sem se importar com o calor intenso, o frio congelante, sem poder abrir os vidros e ligar o sistema de ar-condicionado ou a calefação.
Por essa paixão, o engenheiro José Augusto foi também designado para importantes programas da Ford, comandando a viagem de ida e volta entre São Paulo e Rio de Janeiro com a gasolina disponível no tanque do automóvel Corcel; da primeira viagem de carros a álcool entre São Paulo e Brasília, em programa do Ministério das Minas e Energia para desenvolver o motor a álcool; da primeira viagem internacional com carros a álcool, entre São Bernardo do Campo e Assunção, no Paraguai; do lançamento da pick-up Pampa no Uruguai, com viagem de jornalistas dos dois países entre Porto Alegre e Montevidéu e da primeira viagem entre São Bernardo do Campo e Detroit, nos Estados Unidos, com um automóvel Del Rey e uma pick-up Pampa.
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Luiz Carlos Secco trabalhou, de 1961 até 1974, nos jornais O Estado de São Paulo e Jornal da Tarde, além da revista AutoEsporte. Posteriormente, transferiu-se para a Ford, onde foi responsável pela comunicação da empresa. Com a criação da Autolatina, passou a gerir o novo departamento de Comunicação da Ford e da Volkswagen. Em 1993, assumiu a direção da Secco Consultoria de Comunicação.
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