Aquela tarde em Paris foi como nenhuma outra que eu tivesse vivido.
Ao sair para a rua, senti o frio cortante no rosto. Cinco graus negativos. Fechei o casaco. Coloquei as luvas. Olhei para os lados, ali parada na calçada do Hotel Holiday Inn, ao lado do Indiana Café no Boulevard du Montparnasse, uma avenida imensa. Hum! Nenhum plano. À esquerda? Tomei o rumo da direita. Pura intuição.
Segui andando por várias ruas de Montparnasse, 14e Arrondissement de Paris. Lembrei das lições de francês – tout droit (sempre à frente) – à gauche – à droite. E assim raciocinando, virando ora à esquerda, ora à direita, mantive a referência da Tour de Montparnasse, um arranha-céu solitário-moderníssimo um pouquinho mais baixo que a Tour Eiffel. Au Sud de la Tour, dans le côté Nord de la Tour, enfim, 210 metros de altura me serviam como farol.
A imponência charmosa da Tour de Montparnasse
Assim, tranquilizada, fui caminhando por ruas, ruelas, becos, avenidas, pracinhas. Tudo era novo pra mim. De repente, me vi em uma época passada, pareceu-me ter feito uma viagem no túnel do tempo, como na ficção, mas era real.
Parei nos anos de maior glória do Quartier Montparnasse – os anos do período entre as duas guerras mundiais – época em que Montparnasse competia com Montmartre – dois centros artísticos efervescentes em Paris. Bares, teatros, cafés, ateliers e cabarés alimentavam a vida boêmia dos escritores, pintores, escultores.
Delícias tentadoras aguardando no Indiana Cafe
Pois, e eu ali, nesse passé plus-que-parfait. Sozinha, conheci-descobri divers établissements. Uma das coisas que me encantou foi a quantidade de teatros da época, ainda em funcionamento, como o Bobino, o Gaité Montparnasse e Le Petit Montparnasse.
Ah, mon Dieu!! Reportada às décadas de 20, 30 e 40, fui pisando conscientemente nas mesmas pedras, calçadas e ruas que eles pisaram! Eles!!!! Henri Muller, Modigliani, Matisse, Chagall, André Breton, Picasso, Hemingway, Chanel, Josephine Baker, Buñuel, Joyce, Dalí, Anais Nin, Gertrude Stein, Fitzgerald, Sylvia Beach... e tantos mais, escritores, poetas, artistas franceses e exilados de outros países que fizeram história. E eu, ali!!! A circular e conferir os bares e restaurantes mais frequentados por eles. La Coupolle, la Rotonde, le Dôme et La Closerie de Lilás. Aliás, ainda hoje, et toujours, transmitem uma aura de magia e glamour.
A atmosfera parisiense prescinde de legendas
Bem, outras emoções me aguardavam, se é que se pode dizer assim.
Andando pela Rue de Rennes, entrei em um café, para aquecer-me.
- Bonjour, monsieur. Um café, s’il vous plaît.
Com novas energias, segui pela tarde. Entrei em uma lojinha de meias, somente meias. Um casal de velhinhos, os donos, foram tão simpáticos, que saí de lá com diversos pares de meias masculinas. Sorte do marido.
Adiante, entrei em uma épicerie para comprar alguns vinhos, pois teria um jantar no studio de amigas. O rapaz que me atendeu ficou curioso, e me perguntou algumas coisas. Assim, disse a ele: Moi, je suis venue à Paris pour réaliser le rêve (o sonho) de connaître cette ville merveilheuse. Je lui ai dit que je parlais um petit peu de français. Mais, dans l’avenir (no futuro) je le parlerai mieux.
Qualquer recanto da cidade revela encantos
Então ele quis saber onde estudei francês – Alliance Française. E, pensando que eu fosse italiana, ficou surpreso quando, ao responder – Quel est votre pays?, eu disse: Brésil!!! E ele – Pelê !!! Rrrrrriô!!!! Como se isso não bastasse, na despedida falou em português – Tchau!! Obrigado!!!
Alors, entrei em une librairie. Personne! (ninguém) A não ser um jovem, lá nos fundos.
- Bonjour, monsieur.
- Bonjour, madame.
- Je voudrais les livres, s’il vous plaît. Et choisir quelques- uns.
- À volonté, madame. Je vous en prie.
Naquele ambiente aquecido, naquela tarde de inverno em Paris, naquela livraria, lentamente, passei meus dedos nas lombadas dos livros. De alguns, li alguma coisa. De outros, eu senti o cheiro, o formato, o peso... E todos escritos em francês, claro. Escolhi o romance O Grande Gatsby, de F. Scott Fitzgerald. Sim, aquele escritor americano exilado que vivia por ali, amigo do Hemingway. A esposa de Fitzgerald, Zelda, também era escritora, une femme terrible!!! Quase fez sombra ao marido!!! Mas isso é outra história...
Na volta ao hotel, à tardinha, céu de chumbo, muito frio, adentrei no ambiente aconchegante da calefação. Uma vez no quarto, relembrando tudo, fiquei a pensar: até pode ser meio bobo o que fiz hoje, aos olhos de outros, mas, em Paris, tudo é encantador, até ir somente à esquina, e falar com aquele farmacêutico que te indica os produtos adequados para a tua pele, ou ir aqui ao lado no Indiana Café saborear uma salada, um drink, tomar um vinho, ou ir ali na banca de revistas, ou, quase não dormir na segunda noite de saudades do poodlezinho Bóris, ou até perder um brinco de ouro onde jamais saberei e nem quem o encontrou... ou... Em Paris, tudo é encantador.
Sentada na cama, abri o livro Gatsby, escrevi na primeira página: Paris, le 1er Février 2011.
Aquela tarde em Paris foi como nenhuma outra que eu tivesse vivido.
A cronista flâneur pelas geladas e aconchegantes ruas de Paris
Marilia Frosi Galvão, professora, escritora e cronista
galvao.marilia@hotmail.com
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