Na tarde do sábado, dia 30 de maio, às 15h22 (horário daqui), a América teve um breve momento de celebração, orgulho e, até mesmo, de alívio, com o lançamento do foguete Falcon 9 no Cabo Canaveral, no estado da Flórida.
Os noticiários e manchetes dos jornais no dia seguinte, loucos para publicar algo positivo, exaltaram o sucesso da missão da Space X, que levou dois astronautas para a Estação Internacional, saindo da mesma plataforma que conduziu Neil Armstrong, Buzz Aldrin e Michael Collins na Apolo XI para conquistar a lua, em 1969. A Dragon foi a primeira missão tripulada que saiu da América depois de 11 anos. E a primeira vez em um foguete tripulado de uma empresa privada.
Mas, afinal, o que tem de tão especial nisso? Afinal, frente a tantos problemas que estamos vivendo na humanidade, faz sentido a corrida espacial? Antes de concluir que a exploração espacial é fútil e desnecessária, convido o leitor a explorar os benefícios que trouxe desde os anos dourados da década de 60 até as perspectivas futuras com a volta à lua e a missão a Marte.
Quando a NASA foi estabelecida, em 1958, o Congresso dos Estados Unidos exigiu que a agência compartilhasse as suas inovações e descobertas de mandar foguetes para o espaço e manter os astronautas saudáveis, para serem exploradas pela inciativa privada para melhorar a vida da humanidade aqui na Terra. São mais de 2.000 produtos e soluções que saíram de tecnologias desenvolvidas pela NASA que beneficiam os mais diversos setores como saúde, agricultura, indústria, meio-ambiente, transporte e tecnologia da informação.
A NASA publica, anualmente, um “report” que atualiza os avanços e as contribuições para a sociedade das tecnologias surgidas para a exploração espacial. Pode ser acessado no link: AQUI
Na área da saúde, por exemplo, a tecnologia desenvolvida na NASA para o processamento de imagens vindas da lua foi adaptada e resultou na invenção de MRIs e CAT Scans (tomografia computadorizada), que salvam vidas ao fazer diagnóstico de doenças.
O tablóide New York Post: “A Explosão da Esperança – entre tumultos e doença, o lançamento espacial dá aos americanos um momento de orgulho”
Mais recentemente, uma tecnologia de iluminação desenvolvida para fazer crescer plantas nos ônibus espaciais está sendo utilizada em tratamento para reduzir os efeitos colaterais de quimioterapia e radioterapia. E o número de soluções desenvolvidas na área da saúde são enormes, entre eles: termômetro auricular, angioplastia endoscópica usando laser e minúsculo cateteres a laser, sistemas de biópsia de mama, ferramentas para cirurgia da catarata e marcapasso programáveis e materiais mais baratos e leves para fabricar próteses de braços e pernas.
E a lista de produtos que foram desenvolvidos a partir de tecnologias nascidas da NASA é enorme: celular com câmera, roupas esportivas de alta performance, comunicação via satélite, aparelho dental invisível, joystick para videogames, implantes auditivos, painel solar, lentes resistentes a arranhão, entre outros. As tecnologias desenvolvidas para explorar o espaçoajudam a salvar vidas, criar empregos e novos mercados e nos fazem mais seguros, eficientes e produtivos.
E durante a pandemia da Covid-19, a NASA está usando os seus supercomputadores em parceria com a Amazon, IBM e universidades, para entender como o vírus interage com as células no corpo humano e potenciais drogas terapêuticas. Também lançou um produto chamado “pulso”, um acessório que pode ser produzido numa impressora 3-D, que vibra quando um indivíduo toca seu nariz ou boca. Tem como objetivo minimizar o spread do vírus. Além dos avanços tecnológicos mencionados acima, pude comprovar os avanços do programa espacial para a área das ciências humanas.
“Pulso”, desenvolvido pela NASA
Meu primeiro contato com o programa aeroespacial foi no ano de 2002, quando a Casa Branca lançou um programa dando oportunidades para líderes emergentes da América Latina para fazerem um estágio em algumas das maiores empresas dos EUA. Ganhei a bolsa para fazer um estágio na área de tecnologia da informação na Northrop Grumman, uma das tradicionais empresas na área de defesa e aeroespacial, parceira da NASA no programa aéreo espacial desde 1960, com 120 mil funcionários.
Foi uma experiência transformadora, e incrível, pela escala e dimensões dos problemas com que lidam, que faziam os que eu tinha no meu trabalho no Brasil parecerem uma tabuada do número um. Aprendi muito que a objetividade e o foco dos “gringos” daqui respondem por muito do sucesso deste país.
Nunca imaginei que, 14 anos depois, estaria me mudando de mala e cuia, ou melhor, com a família e cachorro, para a apelidada Costa Espacial, região da Flórida aonde se situa o centro do programa espacial. E isso devido a um projeto no Instituto de Competências Interculturais dentro da universidade local, a Florida Tech.
O instituto foca em projetos que ajudam governos e empresas privadas a lidar com diferenças interculturais nas relações organizacionais e interpessoais. Por exemplo, num projeto de uma empresa americana com interesse de ter presença no Brasil, foi feito um treinamento para os principais executivos da operação. Um dos aspectos analisados foi como brasileiros e americanos veem de forma diferente a dimensão do tempo.
Nos Estados Unidos, o tempo é bem restrito e, realmente, “time is money”. As pessoas esperam que as reuniões e tarefas comecem exatamente no horário marcado. Por exemplo, aqui, as reuniões podem começar em horários como 15h25 e terminar às 16h10. Chegar um minuto atrasado numa reunião aqui não quer dizer que coloque o relacionamento em cheque, mas mostra o quão responsável você é. No Brasil, o tempo tem uma dimensão mais flexível e, para o americano, pode parecer que não somos objetivos.
Um dos projetos do instituto com a NASA é o estudo dos desafios interculturais que irão aparecer em missões de astronautas de países e culturas diferentes. O entendimento de como isto pode impactar na performance de times em missões com alto componente de stress.
Uma das etapas desse projeto foi um workshop na NASA para estudar os desafios para a ciência social da missão a Marte, do qual tive a oportunidade de participar como membro do instituto. Foram convidados cientistas de todo o país, entre eles, ex-astronautas, sociólogos, psicólogos e psiquiatras, com o objetivo de produzir uma agenda multidisciplinar de pesquisa sobre temas relacionados à missão de colonizar Marte.
O workshop apontou que, além dos desafios tecnológicos que são mais visíveis, existem desafios que tratam de como lidar com a saúde mental dos astronautas e como selecionar candidatos capazes de enfrentar o complexo desafio que a missão terá. Também demonstrou que o nosso entendimento das ciências sociais deverá ser ampliado, pois as viagens espaciais de longo prazo trazem uma variedade de desafios não enfrentados antes.
Serão necessários cerca de seis meses para viajar até Marte, então, imediatamente a missão exporá os astronautas tanto ao imenso estresse quanto ao imenso tédio. Teremos de selecionar pessoas que possam prosperar nesse ambiente, e isso será um perfil bem diferente do dos astronautas da Apollo.
Portanto, a pesquisa em torno das competências necessárias desses novos astronautas é importantíssima. As características psicológicas que se relacionam à resiliência estão sendo estudadas e quantificadas em simulações de isolamento.
Se você se saiu bem no distanciamento social, quem sabe possa se candidatar a uma dessas simulações que irão ocorrer este ano, em que se ficará “preso” de oito meses a um ano numa aeronave fake. A pesquisa estudará também os efeitos do isolamento e confinamento na performance de tarefas simuladas virtualmente.
A Costa Espacial dos Estados Unidos
Durante o workshop, eu estava entusiasmado em poder assistir à fala de Buzz Aldrin, na NASA, naquele lugar mágico de que ele saiu em 1969 para ser o segundo homem a pisar na lua. Buzz é um herói aqui nos Estados Unidos, que recebe honras de presidentes desde a época de Kennedy. Na sua fala, ele defendeu entusiasticamente a importância de colonizar o planeta vermelho como única forma de assegurar a sobrevivência do homem no longo prazo.
Mas, talvez, o que mais me fascinava era por ter ele sido a inspiração do personagem Buzz Ligthyear, dos filmes “Toy Story”. Muito brinquei com meus filhos de pegá-los sobre a minha cabeça e soltar a garganta: 3... 2... 1! Para o infinito e além! E os jogava para um pouso entre gargalhadas e gritos de excitação, na cama em casa ou na piscina do clube.
Pois vou tomar um café no fundo do salão durante uma apresentação e vejo o próprio Buzz Aldrin vindo na minha direção, ou melhor, seria o Buzz Ligthyear? Já me imaginei falando com ele e contando das brincadeiras com meus filhos imitando o Buzz.
Coração batendo mais rápido, mãos suando e o tema da vitória tocando no meu ouvido! Aquela sensação da garota mais bonita do baile vindo te convidar para dançar... Que nada! Buzz, com mais de 90 anos, nem olhou para mim e pegou um café.
Apesar de saber que Buzz era conhecido pelo seu jeito difícil e de poucas palavras, eu me atrevi e tentei puxar um papo: “Sr. Aldrin, estás gostando do evento”? Recebi um mero resmungo. Bem, melhor ficar com as memórias do Buzz Ligthyear e acreditar nele para a conquista do infinito e além.
Buzz Aldrin no workshop na NASA e Buzz Ligthyear na minha imaginação
Gustavo Miotti é economista, sócio da Soprano e doutorando do Rollins College (Winter Park, Florida), onde pesquisa atitudes relativas à globalização nos EUA e China.
gmiotti@rollins.edu
Do mesmo autor, leia também: O PARADOXO AMERICANO