Caxias do Sul 23/11/2024

Pandemia: uma bengala para pausar a vida ou para ressignificá-la?

A vida nem sempre é leve, suave, quase sempre nos testa, nos dá bofetadas, nos espanca, para justamente nos fazer evoluir
Produzido por Silvana Toazza, 04/01/2021 às 09:42:49
Foto: Liliane Giordano

Somos seres tão únicos, tão diferentes na forma de enxergar o mundo e, inclusive, na maneira de reagir ao que nos acontece. Durante esses quase 10 meses em que a palavra “Covid-19” ingressou oficialmente no nosso vocabulário, tenho analisado o comportamento do ser humano e me surpreendido. Da negação, como se a doença não existisse, à hipervalorização do tema, como uma bengala para pausar a vida. Nesse segundo caso, o medo que aprisiona a alma. Os extremos desacomodam, pois quase nunca são sadios.

A vida nem sempre é leve, suave, quase sempre nos testa, nos dá bofetadas, nos espanca, para justamente nos fazer evoluir. Assim é a jornada do ser humano. Famílias perderam seus entes queridos, encerraram 2020 no poço da tristeza e do luto e outras começam 2021 lutando pela vida em hospitais lotados. Nesses casos, a vida em compasso de espera não é uma escolha, mas um inexorável destino a muita gente.

Porém, com a pandemia, também detectamos comportamentos que se camuflam atrás da doença. Gente que diz não fazer mais nada por estar esperando a Covid-19 passar, a vacina chegar, o horizonte clarear, o emprego reaparecer, o dinheiro voltar. Negam a própria existência e encontram desculpas para o não agir, o não pensar, o não decidir, o não fazer mais nada. Delegam o protagonismo de suas vidas à espera de possíveis soluções vindas da ciência ou da fé.

Aquilo que se desenhava inicialmente como 15 dias de isolamento social foi sendo reeditado e a quarentena transformou-se em meses de incertezas (quase um ano já). Cruzar os braços ou fazer como um conhecido que diz dormir boa parte do dia para não pensar no futuro não parecem ser reações que agreguem. Agir com prudência, ressignificando as atitudes e encontrando soluções, buscando como melhorar o mundo e, principalmente, o seu mundo, parece fazer mais sentido diante da nova provação imposta à humanidade por um vírus invisível, mas muitas vezes fatal.

Nesse sentido, dia desses ouvi de uma tia minha de 75 anos (grupo de risco, sim), que ela havia levantado às 5h30min. Indagada por mim sobre por que acordar tão cedo, ela responde:

“Para o dia render mais”.

Sim, mais vida, mais ar, mais conectividade, mesmo que à distância. Minha tia colhe frutas, faz compotas, retira tomate, faz “extrato”, faz almoço, varre o pátio, recebe netos, olha a internet, caminha, vai à missa, o dia é curto para tantas atividades.

Ficar na escuridão da incerteza esperando reaparecer o sol de uma vida sem riscos não é opção para ela. De outro lado, há jovens (teoricamente, não pertencentes a grupos de risco) soterrados em seus travesseiros, na escuridão de seus quartos, esperando as horas passar. Ou, ao extremo, provocando arriscadas e inconsequentes aglomerações em praias e lojas de conveniência à revelia das regras para impedir a propagação do coronavírus.

Para alguns, a Covid-19 é a desculpa para uma vida sem perspectiva, com muita preguiça e pouca iniciativa. Se escondem para não agir, para não correr riscos, com medo de falhar. Toda a justificativa de suas vidas se resume à Covid-19. Para outros, a doença representa o descortinar da percepção de nossa vulnerabilidade como humanos e de que a vida é agora, pois o futuro às vezes pode nem chegar.