Neste ano de 2023, completa-se meio século da morte de Pablo Neruda, data que coincide com os 50 anos do golpe militar de Augusto Pinochet. Coincidência que parece não ter sido casual.
Pinochet comandou a tomada de poder em setembro de 1973, e no mesmo mês Pablo Neruda morreu depois de sair do hospital, com suspeita, até hoje não rejeitada, de que foi envenenado por ordem do ditador.
Neruda fez carreira política na esquerda, e chegou a ser conselheiro de Salvador Allende, o presidente deposto no golpe de setembro.
Mas o principal legado de Neruda foi sua produção literária, pela qual recebeu o Prêmio Nobel em 1971, como cinco outros escritores hispano-americanos. São eles:
- Gabriela Mistral, também chilena, em 1945.
- Miguel Angel Asturias, da Guatemala, em 1967.
- Gabriel García Márquez, da Colômbia, em 1982.
- Octavio Paz, do México, em 1990.
- Mario Vargas Llosa, do Peru, em 2010.
Isso sem contar os seis que ganharam o Prêmio Nobel da Paz, mais três o de Medicina e dois o de Química. Nenhum brasileiro foi até hoje contemplado com essa condecoração, nem na literatura, nem nas ciências, nem na política.
Em 2023, meio século sem o poeta Pablo Neruda (Foto: Divulgação)
Outro rico legado de Neruda é a casa que construiu e onde morou na Isla Negra, num terreno de meio hectare, e onde colocou “brinquedos pequenos e grandes, sem os quais não poderia eu viver”. Essa casa está hoje transformada em museu e é ponto obrigatório de visita para quem viaja ao Chile.
Ela serviu de modelo para o cenário do filme O Carteiro e o Poeta, baseado no romance de Antonio Skarmeta, dirigido por Michael Radford, em 1994. Nesse filme, Neruda é personagem de uma história fictícia. Sendo uma produção italiana, foi ele rodado na ilha de Capri, reproduzindo a Isla Negra.
A casa museu de Isla Negra reflete bem a imaginação do poeta, na construção de um mundo surrealista, bem estranho. Tudo começa nos jardins que cercam a casa, onde há a reprodução de um barco, de um campanário, de uma fonte de água. Dentro, há várias salas cheias de figuras mitológicas e folclóricas, desde a Medusa até os Piratas. Há máscaras e figuras de todos os tipos, espalhadas pelos dormitórios e refeitórios.
Num de seus poemas, Neruda constrói esta imagem da mesa, que ele reproduziu em madeira, com quatro patas de cavalo, dentro da casa em que viveu:
Sobre as quatro patas da mesa
desembrulho minhas odes.
...
A mesa fiel
sustenta
sonho e vida
titânico quadrúpede.
O autor chileno Jorge Barros organizou um álbum fotográfico da casa, que mostra todos os ambientes construídos por Pablo Neruda, com fotografias de Antonio Larrea e versos do poeta. E faz a seguinte observação:
“A casa e o lugar estão vinculados a Neruda de tal forma, que em qualquer parte de nossa América, ou do mundo, Isla Negra e Neruda são um só”.
Álbum fotográfico esquadrinha os recantos da Isla Negra (Foto: Kenia Pozenato)
José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado “O Quatrilho”, que foi adaptado ao teatro pelo grupo caxiense Miseri Coloni; ao cinema por Fábio Barreto, concorrendo ao Oscar e transformado em ópera.
pozenato@terra.com.br
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