Caxias do Sul 22/11/2024

Os operários da madeira

Pesquisa feita por antigo morador de Pinhal da Serra detalha as lides das velhas serrarias
Produzido por José Clemente Pozenato, 02/06/2022 às 10:13:10
Foto: Marcos Fernando Kirst

O ciclo da madeira deixou marcas profundas na memória dos que trabalharam nas serrarias à margem do Rio Pelotas. Memória que foi recolhida por uma pesquisa dos elementos culturais dessa região, pelo Instituto Memória Histórica e Cultural (IMHC) da UCS.

Seu Honório, morador de Pinhal da Serra, descreve em detalhes como era feito o transporte das toras de pinheiro, de dentro do mato até o estaleiro da serraria. São conhecimentos minuciosos, típicos de um capataz.

Depois de derrubado o pinheiro, informa ele, eram feitas as toras, com três tipos de comprimento: de 5,40 m, de 4,20 m, e de 3,30 m. O padrão de cada uma dessas medidas era marcado com o uso de uma ripa.

Feitas as toras, entrava em ação o descascador: uma pessoa com prática descascava de dez a vinte toras por dia, dependendo da grossura do pinheiro. Para descascar, usava-se o machado. E só era descascada a parte de cima do tronco. A casca da parte de baixo da tora era removida no arrasto até a serraria.

As toras eram transportadas do mato até o estaleiro da serraria, por duas ou três juntas de bois, encordoadas uma atrás da outra. A junta era um par de bois, unidos por uma canga de madeira sobre os pescoços. E não era qualquer madeira, tinha que ser madeira especial, a sete-sangria ou a açoita-cavalo, que são madeira leviana e forte. Porque a madeira não pode ser muito pesada no pescoço do boi, senão ele cansa muito.

Eram bois ensinados, treinados para trabalharem juntos, como mostra esta cena descrita por seu Honório:

Os bois tinham nome. A junta da ponta, como diziam, puxava os outros para o lado que o arrastador queria que fossem, pra direita ou pra esquerda. Ele falava com o boi da ponta: “pá direita, Fulano!” E o boi entendia, puxava os outros pro lado que ele queria. [...] Os bois da frente puxavam igual uma pessoa, entendiam mais que uma pessoa!”.

Os bois levavam as toras até o estaleiro, uma armação feita com troncos de árvore, formando um patamar da altura da carroceria do caminhão, para esse ser carregado com as toras, com estes detalhes:

Na época se usava pra esse serviço um caminhão pequeno, o caminhão reboque: o reboque era um tipo de carretão só com dois pneus, engatado no caminhão. As toras ficavam assentadas no ‘gastalho’ – duas travessas de madeira, parte delas apoiadas no caminhão e parte no reboque, presas por um ‘varão’, como era chamado, feito de cerejeira. [...] Uma carga de caminhão levava de quatro a cinco toras.

Na frente da serraria havia a “cancha”, feita de varas de madeira. Ali eram descarregadas as toras para serem roladas, no braço, para dentro da serraria e ali serem colocadas na “grade”, para serem serradas.

Serravam-se primeiro os lados das toras, tirando as “costaneiras”, para deixar lisas as quatro faces da madeira: pra esquadrejar a tora, formando o cepo, na linguagem de seu Honório. Desse cepo eram feitas então as tábuas. Se fosse uma serra comum, ela serrava tábua por tábua, mas havia serrarias que tinham a serra cheia, que chamavam de petiça, com seis, oito e até onze serras alinhadas, fazendo todas as tábuas de uma vez só.

As tábuas saíam com a grossura de uma polegada e largura variada, de acordo com a grossura da tora. Depois essas tábuas iam para a refiladeira, onde era padronizada a sua largura. Do refil que sobrava era feito outro tipo de aproveitamento, como ripas e aduelas. O que não pudesse ser aproveitado virava refugo, que não era utilizado nem na máquina a vapor: o refugo não dava força no fogo.

Depois de prontas, as tábuas eram gradeadas fora da serraria, para secar. As tábuas entrecruzadas faziam um quadrado bem certinho, numa pilha de dois metros de altura, três quase, deixando um vãozinho pra poder entrar o ar no meio.

A madeira podia ficar assim gradeada por seis meses ou até um ano. Mas com dois meses já estava seca, e pronta para ser vendida.

Bem, a “aula” de seu Honório ainda não terminou. Há mais outros saberes por ele armazenados...

José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado “O Quatrilho”, que foi adaptado ao teatro pelo grupo caxiense Miseri Coloni; ao cinema por Fábio Barreto, concorrendo ao Oscar e transformado em ópera.

mail pozenato@terra.com.br

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