Londres não quer parar. A capital multicultural não quer sucumbir ao ataque invisível que tem levado vidas, destruído famílias e colocado o mundo em uma paralisação sem precedentes. Eu escrevo esse artigo do meu escritório, mas gostaria mesmo era de estar em casa em regime de confinamento como o resto da Europa. Não por prazer, mas por segurança minha e de minha família.
A capital está parando gradativamente, é verdade. Muitas estações de metrô já estão fechadas e o fluxo de pessoas e carros é bem menor. Heathrow Airport, um dos mais movimentados do mundo, teve uma queda de mais de 40% no tráfego aéreo. Num dia normal, 1200 pessoas trabalham aqui no meu prédio. Hoje, somos menos de 50.
Mas o coronavirus vem em fases. Primeiro, a descrença, a dúvida e o descaso. Depois, enquanto hospitais começam a lotar com infectados e a saúde pública vira um caos, os governos focam na economia e tendem a tardar a imposição de medidas drásticas. Como se, por milagre, o vírus simplesmente fosse desaparecer de uma hora para a outra. Infelizmente, chega-se ao ponto em que é tarde demais para refrear o vírus e suas brutais consequências.
Aqui em Londres não tem sido diferente. Somente quarta-feira (dia 18) o governo anunciou que as escolas parem por tempo indeterminado. Há rumores de que bares e restaurantes também fecharão suas portas mas, por enquanto, a recomendação do governo é apenas evitar encontros sociais desnecessários.
Mas esse quadro pode mudar nas próximas horas e, sinceramente, é isso mesmo o que eu espero. As autoridades públicas inglesas precisam tomar as rédeas da situação e decretar o ‘lockdown’. Já se fala em 50 mil infectados em Londres, ainda que os números oficiais não cheguem a dois mil casos. Nossos vizinhos italianos e espanhóis são exemplos do caos que o Covid19 é capaz de criar em curtíssimo tempo. É óbvio que a situação na Inglaterra vai piorar muito mais antes de começar a melhorar. É triste e deprimente, mas essa é a realidade.
Além disso, temos tido de aprender a lidar com os novos problemas sociais que emergem dessa crise. Não há comida nos supermercados. Itens como papel higiênico, leite longa vida, massa e arroz são raridades. Carne de gado e frango só consegue quem chega às seis da manhã. As farmácias também estão com as prateleiras vazias. O desespero faz com que as pessoas comprem o que não precisam e acabem deixando desprovidos os que mais necessitam.
O coronavírus tomou conta dos noticiários de televisão, dos jornais, das conversas online. É só o que se fala da manhã à noite. Eu confesso ter tido pesadelos gerados pelo medo de perder o emprego, de não ter como pagar as contas, de ficar doente, de não poder mais voltar à vida que todos nós tínhamos antes do Covid19.
Vários amigos já estão desempregados. E, mesmo com o anúncio da injeção de 330 bilhões de libras na economia para ajudar a iniciativa privada e a garantia de ‘férias’ para contas como aluguéis e empréstimos, o clima é de muita insegurança e ansiedade.
Mas a vida segue, entre trancos e barrancos, e cabe a nós mostrar solidariedade e compaixão. Ficar em casa e cuidar de nós e dos nos nossos é a única forma de ganhar essa guerra.
E aos heróis da nossa geração (médicos, enfermeiros e profissionais da saúde), uma salva de palmas!
Xênia Chemello é jornalista, natural de Caxias do Sul, formada pela UCS. Reside em Londres desde 2003, onde atua como gerente de eventos no grupo Guardian News and Media.
e-mail: xchemello@hotmail.com