Caxias do Sul 21/11/2024

O retorno com o final da saga

Após relaxar nas águas termais catarinenses, Cônego Donato volta ao lar, não sem novas aventuras
Produzido por José Clemente Pozenato, 19/09/2024 às 08:37:02
José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado “O Quatrilho”
Foto: Marcos Fernando Kirst

Depois da permanência de quase um mês, entre abril e maio de 1937, nas águas termais de Tubarão, o Cônego Donato iniciou sua viagem de retorno, que não deixou de ter incidentes, para ficar com o termo por ele usado em suas Notas de uma Viagem. O trecho até Conceição do Arroio, ou Osório, teve praticamente os mesmos problemas da viagem de ida.

A partir de Osório, na estrada de cimento, que conhecemos pelo nome de estrada de concreto, as coisas começaram a melhorar, conforme este relato:

A viagem continuou sem graves incidentes porque, para dizer a verdade, a estrada de Osório a Gravataí é melhor, e se espera que vai melhorar ainda mais, porque nessa estrada encontramos muitos operários trabalhando para preparar a nova estrada de cimento. Chegamos a Gravataí pelas quatro horas da tarde e sem parar tomamos a estrada de cimento chegando a Porto Alegre pelas cinco e meia. Se durante este último trecho de estrada o nosso carro não tivesse podido prosseguir, se poderia chegar a Porto Alegre por outros meios, porque encontramos muitos veículos se dirigindo àquela cidade.

De Porto Alegre a São Leopoldo, o caminhão continuou andando sobre uma estrada de cimento. O único problema encontrado pelo Cônego Donato foi o do pedágio:

A estrada que vai de Porto Alegre a São Leopoldo é de cimento e para passar é preciso pagar uma taxa, como também se paga de Gravataí a Porto Alegre. Portanto no Brasil se tornou costume pagar quando é preciso passar por estradas públicas.

Mas ter feito todo o trajeto de Gravataí a Porto Alegre e de Porto Alegre a São Leopoldo sobre a “estrada de cimento” gerou outro incidente inesperado: começaram a estourar as câmaras de ar dos pneus.

Até aquele momento era o motor que nos fazia retardar o retorno, mas daí por diante seriam as câmaras de ar. Antes de chegar à ponta de areia que dista cerca de cinco quilômetros de São Sebastião do Caí, se rompeu uma câmara de ar, mas, como havia outra pronta, em menos de uma hora deu para acomodar e continuar a viagem. A segunda câmara de ar rompeu à distância de cerca de seis quilômetros da Baixa Feliz, mas como não era ainda noite e com a luz do dia foi possível ainda remediar, mas demorou uma hora e meia. Chegamos à ponte de ferro da Baixa Feliz com a noite avançada. Paramos na casa de negócio ou venda vizinha e se comprou alguma coisa para comer, e se prosseguiu a viagem bastante bem: para dizer a verdade a estrada é bastante boa, mas chegando a cerca de três quilômetros da Alta Feliz se rompeu a terceira câmara de ar.

Como estavam perto de Nova Milano, decidiram fazer a pé os três quilômetros de distância. Lá tinham conhecidos que poderiam conseguir um caminhão em condições ou um automóvel para seguirem até Caxias. Em Nova Milano, o Cônego Donato foi pedir pouso na casa do vigário, cena assim narrada por ele

Então bem devagar, porque era noite escura, me aproximei da casa canônica e bati na porta e passou meio minuto sem resposta quando ouvi um movimento dentro da casa. Era a velha empregada do Pároco que abrindo uma sacada perguntou quem era que estava batendo naquela hora. Respondi assim:

- É um padre de Caxias que pede abrigo.

- Mas quem é esse padre? - me respondeu a mulher.

- É um certo Dom Ângelo.

- Ah, eu conheço Dom Ângelo Donato. Vou abrir logo.

De fato, depois de poucos minutos aquela boa senhora veio abrir a porta e logo me disse:

- O senhor deve estar precisando comer.

- Não – respondi eu -, eu preciso descansar, eu preciso dormir.

E observando o grande relógio que pendia da parede ela disse:

- É, já são duas e meia, depois da meia-noite.

Todo o relato tem como ponto final a seguinte conclusão, em que se define o culpado de tudo e também lhe é concedido perdão:

A culpa maior é do senhor Eleutério Fracasso, que conhecia em que condições miseráveis se encontrava seu caminhão e a sua pouca prática em conhecer os defeitos do carro em questão. Não basta saber dirigir um automóvel, é preciso também estudar mecânica.

Mas na verdade devo declarar que o senhor Eleutério Fracasso, durante a longa viagem de ida e volta se comportou muito bem. E além de ter gasto muito dinheiro com gasolina, e outras coisas, perdeu tudo...

(E A SAGA FINDA AQUI)

José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado “O Quatrilho”, que foi adaptado ao teatro pelo grupo caxiense Miseri Coloni; ao cinema por Fábio Barreto, concorrendo ao Oscar e transformado em ópera.

mail pozenato@terra.com.br

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