Quando tudo a não ser o bater do coração é subitamente perdido, quão sacrificante será recomeçar? Quando planos, projetos e sonhos acabam com a violência de uma enxurrada, quão desafiador será recomeçar? Quando o imponderável nos obriga à inesperada despedida de vidas amadas, quão doloroso será recomeçar?
Rio Grande do Sul, maio de 2024. Responder o quão difícil será recomeçar após as enchentes é impossível. Não há como mensurar ou encontrar palavras capazes de expressar o que a realidade impôs a tantas pessoas e lhes exigirá para, de alguma forma, seguirem em frente.
O que se pode testemunhar é que há um recomeçar coletivo em andamento, em diversas e incomparáveis escalas individuais somadas, pois é ilusória qualquer pretensão de simples prosseguir. O ocorrido foi de tamanha magnitude a ponto de causar um raro efeito de ruptura inescapável da linha da continuidade, ao menos a quem tem laços gaúchos.
Não há opção de avançarmos normalmente sem um exercício particular muito íntimo de recomeço e que externa para um amplo recomeçar que nos une. Todos estamos recomeçando e prosseguiremos, continuaremos, iremos em frente moldados pelas transformações deste recomeço!
Vale para pessoas, empresas, ecossistemas de negócios, para o poder público. Há muito socorro e muita reconstrução a concretizar. Múltiplos exemplos de bravura, de altruísmo e de superação propagaram-se dentro e fora das águas, motivando esperança, fazendo a diferença, mantendo o RS respirando. Esse movimento não cessou e persiste necessário. Não sucumbimos completamente, mas há curas de complexidade incalculável por vir.
No âmbito obrigacional, para pessoas físicas e jurídicas, bons profissionais operadores do Direito deverão atuar pautados por sensibilidade nunca antes tão provocada a cumprir papel essencial em composições e decisões. O caso fortuito extrapolou os parâmetros usuais, as reações em cadeia dos eventos recentes não serão diagnosticadas à íntegra nos melhores esforços de estimativa. Em advogados, promotores e juízes restarão depositadas dúvidas, anseios por leituras de potenciais soluções legais, consequências e limites.
Teremos uma responsabilidade imensa em mãos. Contribuamos com a humildade e com a humanidade de sopesar que estamos todos recomeçando e que há um hercúleo recomeço coletivo em curso.
Eduardo Grangeiro é advogado e coordenador da área de Reestruturação de Empresas e Falências.