Caxias do Sul 22/11/2024

O recado da contracapa

Texto impresso ao final dos livros concorre para ‘vender’ tanto o conteúdo quanto seu autor
Produzido por José Clemente Pozenato, 01/06/2023 às 11:12:03
Foto: Marcos Fernando Kirst

Quando os livros deixaram de ser uma preciosidade das bibliotecas e entraram na rede do comércio, a sua contracapa passou a ter uma importância capital.

Nela, o leitor interessado na compra ou na leitura da obra encontra uma informação sucinta sobre seu autor e seu conteúdo, na forma de uma sinopse ou, também, da transcrição de uma passagem do texto, oferecida como uma amostra do seu sabor.

Não se tem ideia de com quem, onde e quando teve início essa prática. Tudo indica que ela tenha surgido com a era da publicidade e propaganda, que ganhou força no início do século XX, como diz Drummond de Andrade em seu poema “Nosso Tempo”:

No céu da propaganda

aves anunciam

a glória.

O fato é que, nos dias de hoje, em qualquer lugar do planeta em que se editem livros, seja em que língua for, a contracapa é utilizada para um rápido anúncio da “glória”, como ironiza Drummond. Anúncio que é também uma pista dada ao autor de como o mundo dos leitores, ou pelo menos parte deles, verá seu escrito.

Tive essa experiência ampliada com a edição da novela policial O Caso do Martelo em italiano e em espanhol. Compartilho aqui a contracapa das duas traduções, trazida de volta numa versão em português.

Em italiano, Il caso del martello traz um resumo da biografia do detetive:

“Pasúbio era dos tempos em que um filho de um colono, com alguma inquietação no cérebro, tinha como alternativa apenas a de seguir a carreira clerical. Ou, em último caso, a militar. Depois de ter deixado o seminário, com sua rígida formação jesuítica, conseguiu aproximar-se de uma profissão de peso, do ponto de vista econômico e social. O emprego provisório na polícia terminou, porém, por inculcar nele o fascínio de lidar com as motivações secretas das mais absurdas ações humanas.”

Em espanhol, El caso del martillo vem com uma sinopse do conflito central da novela, em que uma comunidade inteira resiste à investigação de Pasúbio:

“Novela policial envolvente, num cenário excêntrico. Dessa forma sintética poderia ser caracterizado El caso del martillo, do escritor brasileiro José Clemente Pozenato (1938). Um crime terrível ocorre numa pequena e tranquila colônia italiana. O inspetor Pasúbio viaja no dia mesmo do assassinato e dá de encontro com a resistência de toda a comunidade. No começo da narrativa, o autor dá uma pista ao leitor. Um investigador diz a outro: “isto aqui não é polícia de filme norte-americano”. Isto é, esta é uma história do sul do Brasil, e portanto o compromisso de quem investiga com os investigados está bem longe da falsa espetacularidade, das soluções providenciais, com o exagero de tiros e de sangue”.

Como autor, sempre tenho surpresas com os comentários dos leitores. Mas, como ensinava o mestre Antonio Candido, em sua clássica obra Formação da Literatura Brasileira (Momentos Decisivos), de 1957: o sistema da literatura é feito de três elementos básicos: a obra, o autor e o leitor. Com a falta de um deles, não existe literatura.

José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado “O Quatrilho”, que foi adaptado ao teatro pelo grupo caxiense Miseri Coloni; ao cinema por Fábio Barreto, concorrendo ao Oscar e transformado em ópera.

mail pozenato@terra.com.br

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